Entre a vergonha e o medo
Ideias
2023-03-07 às 06h00
O Governo não se farta de pacotes. Na inflação, no SNS, nos transportes e agora avança na habitação.
No meio de tanto pacote, parece que a única coisa que sobrevive é a forma, já que o conteúdo tem sido de reduzidíssima eficácia.
No SNS tiveram de mudar de ministro e contratar um para-ministro, um CEO que, até na designação e na forma, aproxima o setor público da realidade privada. Note-se, foi um governo socialista que afirmou e formalizou a incapacidade pública de gestão de um sistema nacional de saúde, através da instituição de um modelo de governação que mimetiza, até ao limite, a proximidade com as “malvadas” empresas do setor privado.
O mesmo governo socialista que geriu tão bem o SNS que nunca como hoje tivemos tantos portugueses com seguro de saúde e a recorrer a hospitais privados.
Agora, até Marta Temido, a padroeira do SNS e cavaleira do apocalipse dos hospitais privados e do setor social, defende o setor privado e elogia a sua colaboração e essencialidade.
Tudo isto traduz uma insustentável fuga para a frente que parece ter menos a ver com a resolução de problemas e muito mais com o alijamento de responsabilidades para terceiros.
Nos transportes, já nem vale a pena revisitar as sagas do aeroporto de Lisboa e dos históricos investimentos na ferrovia, de tão ridículo se torna repisar dossiers que culminaram com a tragicomédia demissão de Pedro Nuno Santos, o ministro Whatsapp.
Na habitação, o registo trapalhão parece ter condenado qualquer hipótese de se resolver um grave problema no curto/médio prazo. Um tema que afeta inúmeras famílias e que o Estado tratou com os pés.
Da apresentação das medidas, à inenarrável displicência com que a Ministra da Habitação abordou questões que muito legitimamente uniram no susto os pequenos, médios e grandes investidores, tudo se uniu para condenar à irrelevância um programa que se queria reformador.
Entre temores de estatização da propriedade e de sovietização da política portuguesa, o que fica como nota bem real das promessas infundadas do Governo é a marca transversal de António Costa: muita parra, pouca uva.
Ao longo destes oito anos de Governo, António Costa preferiu sempre navegar à vista e sem horizonte de ação reformadora ou transformadora da economia e da sociedade portuguesa.
A obsessão pelo anúncio ao invés da ação é a patologia degenerativa que define um modo de ser e de estar que só visa a garantia da sobrevivência política.
Vejamos, ainda se lembram do anúncio, em 2016, de que todos os portugueses teriam médico de família?
E da promessa de que todos os portugueses teriam habitação condigna até ao aniversário dos 50 anos do 25 de Abril?
Promessas, anúncios e proclamações de quem, em conjunto com o PCP e o BE, demonstrou ter muito jeito para destruir reformas, mas pouco talento para as definir e praticar.
Depois há a indecência. Um país que sofre com uma inflação recorde e tem um Ministro das Finanças que anuncia, triunfante, a baixa da dívida pública para os 113,8% do PIB, enquanto reduz salários reais e aproveita descaradamente o crescimento dos preços em benefício das “contas certas”, só pode chocar e desmotivar os portugueses. Isto na mesma semana em que se ficou a conhecer um número arrepiante, que dá conta de que, em 2022, se assistiu ao maior corte de sempre nas despesas de alimentação. Repito, despesas de alimentação. 8 em cada dez portugueses foi forçado a reduzir nestas despesas por força da inflação e da subida vertiginosa das taxas de juro.
E, no entanto, vemos a desfaçatez de sucessivos governantes, a começar pelo Primeiro-Ministro, que fingem que o país corre estável sobre carris. Uma má metáfora, atendendo às sucessivas greves na CP.
Greves que se estendem à educação, ao setor judicial, à saúde, à administração pública.
Insensíveis ao óbvio, os nossos governantes continuam a vender-nos pacotes “em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma”.
Por isso mesmo pede-se o regresso de Passos Coelho. Seguramente que tal não ocorre porque os portugueses são masoquistas e desejam regressar a um tempo em que a míngua de recursos era tal que o Governo de então se viu forçado a aplicar medidas duras, ainda que com maior justiça social do que hoje se vê em tempo de bonança.
O desejo do regresso de Passos não é um desejo da pessoa em si, mas da postura e da dignidade que em política começam a rarear. Uma dignidade que não se mede em incompatibilidades e num sem número de obrigações formais, mas antes na decência e honestidade no exercício dos cargos.
Justamente porque essa postura se perdeu na governação e na maioria que a apoia, há um espaço de esperança e de afirmação de alternativa que o PSD começa a sedimentar, como as recentes sondagens dão conta. É imperioso não deixar fugir essa janela de oportunidade e colocar nos precisos termos da luta pela decência e genuinidade na ação política o foco do debate público. E aí, hélas, estará a chave da construção da maioria com que os portugueses verdadeiramente se identificam.
13 Junho 2025
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