De Auschwitz a Gaza
Ideias
2025-06-18 às 06h00
In Memoriam José Hermano Saraiva (1919-2012)
Como se pode ensinar o que já se esqueceu – ou fez por esquecer?
Este é o mote para a reflexão que se impõe: estamos a transmitir legado e herança cultural à geração seguinte? Daremos ao longo do texto pistas – e caminhos – de resposta.
Em que estado está a nossa Memória (individual e coletiva)? Ligada às máquinas – e hoje, em grande medida, submetida ao “filtro” da IA que, lentamente, nos vai dominar no afã de “dar resposta” à quantidade de “coisas” em que nos metemos e envolvemos…
Falamos com os nossos filhos sobre o que vivemos e sentimos na nossa infância? Ou até depois? Fazemo-lo de forma natural e espontânea ou “envergonhada”? Procuramos concorrer com os dispositivos electrónicos que estão a “educar” os nossos filhos? Hoje vou levantar mais questões do que dar respostas.
A nossa História nunca deve ser motivo da nossa vergonha! Ela ilustra o que somos e vivemos, no contexto e do modo em que tais vivências ocorreram. Não precisa de perdões ou desculpas – apenas de partilha sincera e de enquadramento numa memória coletiva muito mais ampla. Elas devem ser devidamente enquadradas e contextualizadas. Fazer o que, em História, designamos de “crítica da fonte”.
O passado é um país estranho e distante – já o escrevia Lowenthal. Não cultivamos a Memória porque estamos na sociedade do efémero, do instante, do “feed” e do “reel”. O ritmo de vida profissional – e pessoal – que nos é solicitado (eu diria exigido!) afasta-nos do essencial (a reflexão, a meditação e o convívio social e comunitário) e coloca-nos sempre a gravitar em torno do acessório (o aqui, o agora, o “para ontem”).
A profusão do registo fotográfico e visualista, a partilha instantânea e o alimentar de um certo individualismo – por vezes narcisismo – ajuda a potenciar a falta de identificação com algo que é comum, que é coletivo e que cria laços e vínculos.
Em grande medida este é também o corolário de um caminho cujo desfecho era, a meu ver, anunciado: as Humanidades não importavam para nada, a História não servia para nada e, assisti-o em direto e a cores na minha própria experiência de vida, não era caminho profissional que se desejasse a ninguém que tivesse, minimamente, a consciência do que era o sucesso, a fama! Etc…
O que importava era a Tecnologia, a(s) Ciência(s) – como se a História não o fosse! – e isso de pensar no Passado, na Cultura, na Identidade, não interessava a nada, nem a ninguém. O que verdadeira- mente “interessava” era saber de Matemática, de “Ciências” (imagino que naturais, porque também há as sociais, certo?), de Física e de Química porque, mesmo a Língua e a Literatura, facilmente seriam substituídas pelos computadores, pelas tecnologias digitais e por uma língua franca, naturalmente forjada na sementeira da globalização que a todos nos uniria e que acabaria, definitivamente, com a Torre de Babel, esse empecilho…
Eu vivi isto, Caras e Caros leitores. Tenho a certeza que muitos colegas meus viveram. Quando decidi, desde muito cedo, que queria ser professor de História e dedicar-me a uma missão de serviço público, muitos me vaticinaram o erro, a falta de horizonte alargado porque, se falava e pensava bem, o que devia ser era Advogado! (Já não digo Padre que também me vaticinaram… mas falamos de missão terrena e não divina: ainda que a Pedagogia da Memória seja, neste momento, pouco mais que um objeto “esotérico” e que, por isso mesmo, será a hora certa de construir).
Mas vamos ao que importa e nos traz hoje aqui: como fazer Pedagogia da Memória?
Sugiro a todos os pais, educadores, professores, alunos e comunidade educativa, alguns pequenos passos para nos tornarmos, cada um e a sua vez, pedagogos da memória e promotores de um sentido interpretativo da nossa identidade cultural que verdadeiramente nos distingue dos restantes seres que habitam a terra:
1. No início de cada aula, naquele dia, evocar um acontecimento histórico que se tenha passado – seja no âmbito local e concelhio, ou até mesmo no âmbito nacional, europeu ou internacional. Isto vai levar a que se crie uma rotina de pesquisa, de curiosidade e de registo da criança/jovem sobre personagens, eventos, países distantes ou mais próximos ou tradições nacionais com maior ou menor identificação com a nossa;
2. Se ainda temos avós vivos (ou bisavós: uma Honra!) saibamos recolher as suas memórias – em pequenas conversas informais ou de forma mais estruturada. Aí vamos perceber as pequenas e as grandes evoluções que se viveram e porque estamos todos, hoje, aqui;
3. Existe, à volta da Escola, um cruzeiro, uma alminha, uma capela, a casa de um escritor ou um edifício pitoresco ou mais contemporâneo ou alguma figura sobre a qual valha a pena investigar? Pois então promova-se a investigação integrada sobre o Património Local envolvente que, nomeadamente na Educação Pré-Escolar e no 1º Ciclo do Ensino Básico é uma excelente forma e veículo de crescendo do interesse sobre o passado;
4. Vamos voltar à magia de escrever à mão com a nossa própria caligrafia. Só assim vamos desenvolver competências que nem sabemos que temos e que são fundamentais. Nós somos, há milénios, uma civilização escrita e da escrita! Se não o fizermos estamos a impedir que a geração seguinte usufrua de um testemunho direto da nossa vivência única e insubstituível. O registo é essencial para criar memória e estimular uma ligação emocional com o vivido.
Esta será uma introdução a este tema ao qual prometemos voltar nesta rubrica.
Temos um Património Cultural que ilustra e evidencia a riqueza – e a complexidade – dos nossos processos históricos e as dimensões mundializadoras do nosso cruzamento com povos, civilizações e culturas muito distintas.
Saibamos ter sempre um sentido pedagógico e de valorização do que fomos para que, verdadeiramente, entendamos o que somos. Façamos, todos e cada um, na nossa escola, na nossa casa, na nossa aldeia, no nosso lugar Pedagogia da Memória.
Lembrar para não esquecer porque, infelizmente, a memória é curta!
18 Julho 2025
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