Entre a vergonha e o medo
Ideias
2022-05-03 às 06h00
Agora que nos encontramos num período de normalidade e tranquilidade democráticas; passadas que estão as refregas eleitorais; estabelecido que está o Governo e tendo entrado em plenas funções o novo figurino da Assembleia da República, é tempo de revisitar o complexo e polémico dossier da desagregação das freguesias.
Desde 2013, aquando da passagem da Troika por Portugal, que este órgão autárquico de base tem sido sujeito a uma grande pressão política para se reinventar e autojustificar. Uma tendência injusta, diga-se, para o nível de serviço e de proximidade que as juntas de freguesia têm prestado à população e para o contributo inestimável que deram à dinamização do país no pós-25 de Abril.
Um dos “D”s da revolução foi justamente o da democratização, tendo as juntas servido como o pólo primeiro e porventura mais perfeito da ligação entre os cidadãos e o poder político.
Se é de mera justiça reconhecer que o excessivo ónus colocado sobre as freguesias no tempo de carestia orçamental do início da década passada não teve bons resultados, é, todavia, importante admitir que a reforma empreendida por Miguel Relvas teve os seus méritos.
Desde logo porque não é sério, apenas porque se reconhece o papel das juntas de freguesia na evolução do país, rejeitar que também elas necessitem de ser repensadas e que, entre outros fatores, essa reflexão crítica pode muito bem passar pela reorganização e, dentro desta, por processos de agregação.
Aliás, salvo casos pontuais, não existe um clamor público tonitruante em favor de um regresso ao passado. Nem se notam grandes mobilizações populares em favor da criação de novas freguesias.
É certo que esta discussão nos pode levar ao velho enigma do ovo e da galinha, isto é, à difícil resposta sobre qual nasceu primeiro: se o problema do aparente desinteresse de boa parte dos cidadãos pelas juntas de freguesia se deve a uma real falta e relevância das suas funções para o quotidiano dos cidadãos, ou se esse desinteresse é resultado do estrangulamento financeiro e de competências por elas sofrido e que se traduzem na impotência para resolver situações básicas que nos afetam?
Sem prejuízo da resposta a essa questão, que há de ser tudo menos consensual, importa olhar para o que vem sendo feito em processos de reorganização voluntária de juntas de freguesia, sobretudo em meios como Lisboa, para avaliarmos se por aí podemos antever o que deve ser o futuro destes órgãos na malha urbana. Ou se, pelo contrário (ou em complemento), teremos de acolher um modelo segundo o qual o centro das maiores urbes deve estar tão pouco retalhado quanto possível, deixando-se para o perímetro periurbano e rural (quando existam) a desfragmentação territorial em freguesias.
Nesta matéria, é igualmente relevante atentar no aprofundamento das responsabilidades financeiras das juntas, onde se enquadra a anunciada possibilidade de, no próximo quadro comunitário de apoio (PT2030), elas poderem, pela primeira vez, aceder diretamente aos fundos europeus.
Voltando ao início deste texto, a tal discussão sobre o papel das freguesias e o seu posicionamento no quadro democrático português merece um debate sério. Justamente o que não aconteceu aquando da aprovação da Lei n.º 39/2021, de 24 de junho que aprovou o novo regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias. A lei que revogou a famosa “Lei Relvas”, nasceu coxa, esquecendo-se, entre outras, de regular a possibilidade de extinção das freguesias, naquilo que é um exemplo claro de incapacidade, para não dizer, incompetência do legislador.
Se foi falta de coragem ou mera falta de zelo é irrelevante para o resultado final. Facto é que uma “[l]ei fraca faz fraca a forte gente”.
Quando mais se necessitava de um processo cuidado, ponderado e eficaz, até para contrastar com a urgência que rodeou o frenesi legislativo do período de intervenção externa, menos se notou esse imperativo.
Infelizmente, a menorização do estatuto das freguesias ficou institucionalizada num diploma cuja precariedade técnica e confusão procedimental não augura nada de bom.
Pelo meio há que responder aos reais anseios dos territórios que foram prejudicados pela reforma de 2013 e que merecem ser ouvidos num processo de reavaliação da agregação então operada.
Ao mesmo tempo, o legislador deve dar respaldo ao mandamento constitucional da existência de uma lei-quadro de criação, extinção e modificação das freguesias e não apenas o regime parcelar e incompleto da sua criação.
Depois, esta discussão deveria ser tida em paralelo com a da reflexão sobre as competências e futuro das juntas de freguesia, olhando a aspetos tão relevantes como a sua (in)dependência face às Câmaras Municipais ou a sua presença nas Assembleias Municipais.
Deixando estes aspetos fundamentais para as calendas, corremos o risco de encurralar as juntas de freguesia num debate que aparente ser de mera conveniência política local e não, como o é verdadeiramente, de interesse nacional. Uma oportunidade perdida.
13 Junho 2025
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