Correio do Minho

Braga,

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Fogo que arde pra se ver

Os perigos do consumo impulsivo na compra de um automóvel

Ideias

2017-10-17 às 06h00

João Marques João Marques

À hora a que escrevo este texto o número de mortos sobe à laia de licitação leiloeira. Esta voragem numérica, quase despersonalizante, das vítimas de nova tragédia ligada à floresta está próxima do insulto à sua memória. O essencial e o acessório ligam-se e torna-se quase imperscrutável o caminho que dissocia a boa da má informação. Independentemente deste facto irrelevante, o certo é que novamente há a lamentar mais vítimas mortais, feridos e danos materiais (sem esquecer o dano ambiental causado) pelo inimigo público n.º 1 de Portugal. E, em Braga, no fim-de-semana passado, vimos como isto é verdade da forma mais dramática e assustadora.

O fogo e os incêndios parecem querer juntar-se à fatídica lista de Benjamin Franklin e acompanhar os impostos e a morte para onde quer que os portugueses se virem.
Ano após ano, o flagelo renova a sua força e reinventa-se no tempo, no espaço, no modo e na violência com que ataca pessoas e bens. Perante isto, o Estado tem falhado de forma indesmentível, sem que com isto queira diminuir a responsabilidade dos cidadãos e empresas que, direta ou indiretamente, se envolvem com a propriedade florestal e o ordenamento do território.

Mas, neste esforço conjunto, não se pode atribuir a mesma responsabilidade a quem luta com meios desiguais. É diferente o grau de responsabilidade de quem tem um pequeno quintal florestado e o de quem detém hectares de floresta. Como distinto é o grau de comprometimento de meios que pende sobre aqueles que legalmente se encontrem adstritos à função de proteção da população civil face aos demais que são meros agentes “incidentais”.

Ao longo dos anos tem-se assistido a alterações legislativas que penalizam quem não cumpre as obrigações mínimas de controlo do seu perímetro florestal, ao mesmo tempo que se introduzem modificações na responsabilidade, por exemplo, pela aplicação das coimas aos prevaricadores.

Lembro, a este propósito, as alterações de 2014, em que se transferia a competência para a aplicação das coimas das autarquias para a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, justamente para potenciar a efetividade do sancionamento dos comportamentos contraordenacionais. Não dispondo dos dados atualizados (seria bom que fossem ainda mais publicitados), sabe-se que, pelo menos, no início da vigência desta alteração, o valor das coimas aplicadas subiu consideravelmente, o que constituiu uma saudável novidade no paradigma português.

Não é seguramente apenas com coimas que se combatem os fogos postos e os intentos criminosos (dolosos ou negligentes) que estão, na grande maioria das vezes, na sua origem. Também, por isso, se tem assistido a um (pelo menos aparente) endurecimento das penas aplicadas a quem é apanhado a cometer estes hediondos crimes.

De todo o modo, o fator dissuasor daquelas coimas aparece como reduzido e o incentivo à boa conservação do espaço florestal é diminuto, sobretudo para os pequenos proprietários que tantas vezes se veem a braços com heranças que mais valia repudiarem, tal o reduzido valor económico dos terrenos e os significativos encargos associados à sua manutenção.

Talvez por isso se tenham já gizado soluções de maior ou menor alcance económico-social, como sejam a do banco de terras, esperando o legislador operar, por via de lei, um emparcelamento que a realidade persiste em não concretizar. O que é indisputável é que o problema existe, não vai ter solução rápida e as suas consequências dramáticas podem repetir-se.

Ora isto obriga a que voltemos a questionar os agentes políticos sobre a necessidade de firmarem não um pacto de regime, mas um mero contrato político de bom senso. Não é preciso parangonas noticiosas, reuniões intermináveis e soluções esfíngicas para um problema cujas origens são evidentes e para o qual não existem assim tantas soluções diversas. O que, como portugueses, temos de assentar é que este é um dos poucos inimigos internos violentos comuns. Um dos tais que apelam mais ao patriotismo do que à ideologia. E assim sendo, nenhuma razão subsiste para que não nos entendamos no essencial: proteger Portugal e os portugueses.

O que se não pode é baixar os braços. O que se não admite é que se proteja e promova a incompetência. O que é indesculpável é garantir que os dramas se irão repetir e nada fazer, por força desse fatalismo, para os evitar. O que se censura é que não se aloquem todos os meios, competências e saberes necessários para, ao menos, minimizar o sofrimento e as perdas humanas e patrimoniais de um país e de um povo que já foi mais do que castigado por esta desafortunada sina. E essas são competências indeclináveis do Estado português.

Independentemente do número anormal de incidências, do fenómeno das alterações climáticas e das anormais condições climatéricas que vivemos, ou até por causa delas, exige-se que seja o Estado o primeiro agente ativo na promoção de ações concretas que previnam e combatam de forma competente e persistente este flagelo, sem lamúrias, hesitações ou cálculos políticos.
Quase 100 mortos depois, 100 pessoas como nós, como os nossos, só em 2017, é tempo de dizer basta!

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