Correio do Minho

Braga,

- +

Foi com setembro que aprendi o regresso?

Mais ação e dedicação pela saúde dos portugueses

Foi com setembro que aprendi o regresso?

Voz aos Escritores

2023-09-08 às 06h00

Fernanda Santos Fernanda Santos

Foi com setembro que aprendi o regresso,
verso a verso,
até ao poema imperfeito.

O poema da viagem do último verão,
estrofes com metáforas de amanheceres precoces e de poentes tardios

O poema imperfeito
das histórias ainda por contar
[…]

Sei de cor o sabor salgado da minha primeira viagem de avião. O lenço branco nas mãos do meu pai era o prenúncio das lágrimas que me escapavam furtivas. Lembro-me muito bem. Tinha apenas quinze anos. Era uma adolescente que apenas conhecia o mundo pelos livros que lia e pelos mapas que na escola primária era obrigada a percorrer de norte a sul e vice-versa. Nessa altura, os meus dedos calcorreavam todas as linhas de caminho-de-ferro, e eu nunca tinha feito uma única viagem de comboio. Sabia de cor todos os nomes dos rios e os seus leitos, contudo só a ribeira que fazia andar o moinho dos meus avós paternos me era familiar. De lá não vinha só a farinha para o pão quente que ainda hoje aquece as minhas memórias de infância. Vinham os figos lampos e os vindimos. Vinham as uvas que haviam de enfeitar, em penduras, a nossa sala de jantar. Era um regalo vê-las a dançar ao ritmo do gira-discos quando o baile das tardes outonais começava.
Para mim, regressar das férias grandes do verão não é regressar da denominada época morta. Pelo contrário, é um período estimulante, em que as recordações da minha infância se associam ao gosto de estar em família e as recordações da juventude se associam, por sua vez, ao reencontro com velhos amigos. O verão conserva a sua magia. É fascinação! Temos todo o tempo do mundo para tudo. Temos tempo para descansar, para a diversão, sobretudo existe o fascínio de não estarmos sempre a olhar para o relógio. Temos mais tempo para nós e para os que nos rodeiam. Temos tempo para viajar e conhecer outras paragens, outras gentes. Tempo para ler e reler outros livros, outras histórias. Por isso, quando sopro as folhas do calendário, a nostalgia percorre-me o corpo e a alma.
Sinto-me como quem chega de uma longa viagem, daquelas que jamais se esquecem. Cega pela luz ímpar das paisagens e deslumbrada pelas histórias que se entroncam no mistério e nas crenças populares, quanto mais as lembranças me doem, mais me apetece cantá-las. Faço de mim uma tulha de madeira, bem funda, onde armazeno todo o arsenal criativo para o libertar quando estiver a transbordar. Com a memória, a quem, felizmente, trato por tu, tenho construído uma relação de respeito pelos lugares e pelos segredos que, em silêncio, gritam. Uns não passam de sonhos. Sonhos pueris que são tão legítimos, que não devem ser questionados por ninguém. São os ecos da infância, a flor mais bela e mais singela, que perfuma a vida e sabe de cor o amor. Merece, portanto, crescer livre no canteiro da vida e polinizar com ternura todos os jardins do mundo.
E como somos as viagens que fazemos e as histórias que vivemos desde que nascemos, registo, neste regresso, o poema imperfeito das histórias ainda por contar…

Num tempo de grande carestia
não muito distante,
ainda me lembro bem
em que na minha terra
onde não há mar, apenas serra,
era nos dedos que o sonho se
tecia.
Hoje, num tempo de fartança,
refaço a teia, volto aos versos
e à sustentável finura de criança.
Salvo-me (ou não) na poesia! (?)

Deixa o teu comentário

Últimas Voz aos Escritores

24 Novembro 2023

A ética que tanto nos falta

17 Novembro 2023

Por uns metros de terra

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho