Automatocracia
Ideias
2019-11-01 às 06h00
Crónica do era-e-não-era: não estava para ser sobre a deputada Joacine, mas começarei por aí.
A disartria da tribuna é um embaraço, e não será com extensões ou suplementos que o problema terá solução conveniente. A escolha do Livre foi consciente, ou induzida pela falta gritante de quadros. Encontraram eleitorado e mártir, com a ressalva de que as dificuldades de elocução da deputada estão no polo oposto da limpidez de ideação, dela e, muito naturalmente, da força que a fez eleger.
Antes gago e arguto e honesto, que escorreito de falas e trampolineiro. Concordamos. Mas a questão não é essa, e a vitimização por holocaustos auto-induzidos não fica bem. Acredito que o Livre, que é formação de gente engenhosa, venha a encontrar resposta expedita, que contorne a fraqueza assumida do apelo à compreensão e à discriminação positiva. No limite, talvez a deputada careça apenas de uma ligeira tolerância, equivalente aquela de que gozam os demais oradores, ela para acabar um raciocínio conciso, os outros para fecharem com chave de ouro uma redundância verborreica.
Não sou dos que denigrem aquilo ou aqueles que lhe abalam os referenciais. Não me aferro a um «eu», que assumo mutável por natureza, a um status quo por definição convencional, passível de ajustes e de mudanças, por conseguinte. Por exemplo, nada me choca nas castas saias de leiga consagrada do assistente da senhora deputada, e mesmo as meias pela canela me pareceram um must. Outro não digo do rompante propositivo de acabar com a disciplina de educação moral e religiosa nas escolas públicas. Quem é o Livre, para decretar obsoletos ou obscurantistas os usos a si anteriores? A novidade não faz antinomia absoluta nem dialéctica concorrencial com a tradição – a cada um, o seu, e se o Livre não o sabe, que se cultive. Não lhes ficará mal.
Mas as «gaguices» vinham a propósito dos resultados de um estudo de carácter antropológico. Determina, quem aprofunda estes assuntos, que os coissã serão a linhagem mais antiga de homo sapiens-sapiens à face da Terra. Os coissã também foram conhecidos como bosquímanos e, anteriormente, como hotentotes. Habitarão, ainda hoje, entre a Namíbia e o sul de Angola. Dos holandeses, que em tempos tentaram uma colonização destas paragens, receberam o epíteto de hotentotes, neologismo eliciado a partir do verbo «gaguejar», na límpida língua dos intrusos.
Os coissã seriam gagos, ou a eles assimiláveis, segundo a visão avisada dos holandeses, unicamente porque os forasteiros não estavam capazes de enquadrar e apreender uma língua que funcionava com parâmetros distintos, com marcadores vocálicos que, à falta de melhor descrição, os colonos solenizaram como gaguices.
O enigma, a incompreensão, que por excesso deveria magoar os iluminados que aportavam da Europa, engendrou uma etiqueta pejorativa. Não que os coissã se sentissem menorizados por isso, pois se nem os entendiam. Curioso: o que teriam eles chamado aos nossos competidores de então?
Desemboco na ideia de que nem sempre estamos à altura dos desafios, e que facilmente podemos cair em simplificações que outros entendam como lesivas da sua reputação. Tal como os coissã, admito e desejo que a deputada Joacine passe indiferente a quanto dela se venha a caricaturar, e que ninguém da sua entourage se dê às maçadas de puxar galões de ofendido, sempre que um deslize assome à superfície.
Nem sempre estamos à altura dos desafios, é verdade. Convém, paralelamente, que não culpemos terceiros, por aquilo que nos escapa, fruto de uma que outra limitação lamentável.
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