Da Importância das Organizações Profissionais em Enfermagem
Ideias
2025-01-25 às 06h00
A língua alemã tem uma palavra não traduzível, uma palavra sem equivalente noutras línguas, nomeadamente, no português. Nesse aspeto, trata-se de um vocábulo relativamente similar (em termos de dificuldade ou impossibilidade de tradução) à nossa “saudade”. A palavra alemã em causa é “Geschichtsmude” que transmite uma ideia de cansaço da História. Essa ideia e sentimento difuso de cansaço da História pode, por vezes, ser muito disruptivo – melhor, levar-nos (em termos coletivos) a adotar atitudes e decisões disruptivas. A empreendermos um “mudar de página” num determinado estado de coisas (de vida!). E, na verdade, muitos caminhos que a História – nomeadamente, a História da Europa – foi percorrendo, ao construir-se, resultam desse cansaço. Um cansaço impulsionador de criatividade ou, simplesmente, o cansaço de um determinado modo de vida que se quer ultrapassar e, nessa medida, um “cansaço criador”. Em rigor, um cansaço que motiva a História (política, social e cultural) a encontrar novas soluções, diferentes das do passado.
A integração europeia e a atual União têm as suas raízes, também e em parte, nesse cansaço que, no início da segunda metade do século XX, se vivenciava incomodamente no centro da Europa. A integração surge de um impulso político de recusa, de reação ao aparente determinismo destruidor da História política europeia que originou duas guerras avassaladoras e “globais”, num lapso de tempo curto (praticamente em 20 anos). A atual União Europeia tem os seus alicerces edificados a partir dos escombros da 2ª Grande Guerra e da demonstração da facilidade (banalização?) do mal (Hannah Arendt, “A Banalidade do Mal”). Claro que esse cansaço da História pode também impulsionar uma comunidade para deixar perecer os seus símbolos, o seu “modo de vida”, as suas Instituições e a sua própria ideia de comunidade (comunidade politicamente organizada). Um pouco aquilo que nos é transmitido por Paul Valéry com a sua ideia de “morte das civilizações” (sim, também podem morrer!). Portanto e de uma forma muito tópica (talvez até um pouco redutora) o estado de (des)ânimo subjacente àquela Geschichtsmude tanto pode desembocar num processo de viragem Histórica (um “cansaço criador”), como num adormecimento, resultante de um ou “cansaço destruidor” … quanto mais não seja, por inércia das comunidades, na preservação da sua própria civilização. Num discurso proferido no ano passado na Sorbonne, Macron alertou para a necessidade de a Europa, a União e, no fundo, a “ideia de Europa” entendida como “ideia de integração”, evitarem os riscos assinalados por Valéry para as civilizações, em geral. Dito de outro modo, a “Europa – civilização” ou “modo de vida” (o “modo de vida europeu” como salienta, recorrentemente, Úrsula Von der Leyen), pode acabar. Importa, assim, fazermos nós, os cidadãos e a elite política, algo tendente a afastar esse risco – se é que queremos mesmo preservar esse nosso “modo de vida europeu”! Podemos linearmente traduzir esse alerta na seguinte mensagem: uma vivência democrática e uma segurança que, nas nossas vidas quotidianas, nos é dada pela efetividade do “Estado de Direito”, podem desaparecer se não as defendermos.
Ora, compreensivelmente, a construção da integração europeia foi-se desenvolvendo com uma quase instintiva recusa em olhar para tudo o que se relacionasse com a guerra e, por conseguinte, com a defesa militar europeia. Claro que houve também, logo na década de 1950 e no arranque do processo de integração (e após a entrada em vigência, com sucesso, do Tratado de Paris – CECA, de 1951), a tentativa de criação de uma Comunidade Europeia de Defesa. Talvez movidos pelo entusiasmo do arranque daquela nova forma de cooperação/integração entre Estados, deu-se, com tal CED, um passo político muito maior do que a perna! Desenhou-se, logo no respetivo Tratado, um esquema de exercício do poder em comum e supranacionalmente. Criou-se mesmo um sistema parlamentar de duas câmaras, assumidamente federalizante. Claro que isso ainda não poderia ser admitido, no ambiente político e cultural de então. Uma construção federal (ou com traços disso) na década de 1950 e na Europa saída da guerra entre esses mesmos Estados, era demais! O certo é que a França de De Gaulle não ratificou aquele Tratado e o projeto morreu. A má experiência da CED também contribuiu para que a política da defesa europeia e o rearmamento da Europa, como um todo, fossem, de certo modo, um tabu. Acentuou-se, a partir daí, o instrumento “integração económica”, apontando-se toda a ação das Comunidades e depois, da União Europeia (a partir do início da década de 1990) para a construção sólida e aprofundada do Mercado Interno. Além disso, sempre tivemos e sempre estivemos, na Europa, empenhados na NATO, no nosso “guarda-chuva” em termos de defesa e segurança externas.
O atual contexto geopolítico, evoluindo para uma forma que, em rigor, ainda desconhecemos porque dependente da conjugação de múltiplos fatores (guerra na Ucrânia, posição da Rússia de Putin, ação da Chima e efeitos desencadeados pela nova administração de Trump, nos Estados-Unidos), obriga a União a redefinir-se. Creio que já todos (a Europa) temos a noção de que ser-se apenas uma “potência normativa”, uma campeã da influência diplomática, cultural, civilizacional ou, simplesmente, do bem-estar, não basta. O “soft-power” europeu pode facilmente ser inconsequente se não for entendido e valorizado por grande parte do mundo que não conhece os valores da Europa. Só cerca de 20% do mundo vive com regimes políticos democráticos. Ou seja, o futuro da Europa passa também por adquirir “hard-power”. Aproveitemos – será, creio eu, o desejável! – o tal “cansaço Histórico” (que parece revelar-se, nos nossos dias, com cada vez mais intensidade), não para desistirmos da Europa ou deixar cair, por medo, a Ucrânia, mas sim para ganharmos também “hard-power” (efetiva política militar europeia).
13 Fevereiro 2025
13 Fevereiro 2025
Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.
Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.
Continuará a ver as manchetes com maior destaque.
Faça login para uma melhor experiência no site Correio do Minho. O Correio do Minho tem mais a oferecer quando efectuar o login da sua conta.
Se ainda não é um utilizador do Correio do Minho:
RegistoRegiste-se gratuitamente no "Correio Do Minho online" para poder desfrutar de todas as potencialidades do site!
Se já é um utilizador do Correio do Minho:
LoginSe esqueceu da palavra-passe de acesso, introduza o endereço de e-mail que escolheu no registo e clique em "Recuperar".
Receberá uma mensagem de e-mail com as instruções para criar uma nova palavra-passe. Poderá alterá-la posteriormente na sua área de utilizador.
Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos.
Deixa o teu comentário