Entre a vergonha e o medo
Ideias
2021-11-30 às 06h00
Nas últimas semanas tivemos notícias de grande relevo sobre o caminho que o concelho de Braga irá trilhar nos próximos anos.
Comecemos por enaltecer o facto de ter sido apresentada a candidatura a Capital Europeia da Cultura (CEC) 2027. Um dossier completo, extenso e rigoroso que pretende dar a esta cidade mais um momento de consagração local, regional, nacional e internacional da sua afirmação enquanto polo agregador de pessoas, projetos e valências de indubitável valor acrescentado.
Este é um passo significativo e que, independentemente do seu sucesso final, já deixou marcas sensíveis no panorama cultural bracarense. De entre essas, sobressai a estruturação de uma Estratégia Cultural que Braga passou a ter e que é a primeira da sua história.
Já aqui falei sobre o ponto de viragem que significou a criação deste documento. Através da inventariação das infraestruturas, mas sobretudo daquilo a que a estratégia chama de “DNA cultural de Braga” temos sumariado muito daquilo que nos torna únicos: da música à criatividade, da água ao património, da fé à história, contando com o papel incomensurável do acervo imaterial que os bracarenses foram coligindo ao longo dos mais de 2000 anos da nossa existência.
Este ativo documental e a criação de bases sólidas para lidar com o dossier da cultura, aplicando os devidos rigor e visão de futuro, permite-nos olhar para a possível organização da Capital Europeia da Cultura não como um fim, nem sequer como um princípio, mas como mais um meio (se bem que de sobrelevada importância) por via do qual se dará centralidade permanente a uma temática tantas vezes postergada em favor de outras mais amigas do eleitor (que nem sempre do cidadão).
A cultura em Braga vive claramente um período efervescente, mas como se tal não bastasse, ainda recentemente foi sujeito a uma agitação adicional, com uma tão inesperada quanto importante doação patrimonial.
Enquanto bracarense, aqui nascido e criado, não posso deixar de sublinhar efusivamente o verdadeiro tesouro com que fomos agraciados.
A Coleção Bühler-Brockhaus – assim designada por referência ao casal doador (Hans-Peter Bühler e Marion Bühler Brockhaus) –, em exposição no Museu D. Diogo de Sousa, simboliza um marco histórico porventura impensável há poucos anos e dificilmente repetível. O nosso concelho e uma das suas instituições maiores são presenteados com um conjunto de obras de relevância universal que transportam Braga para uma centralidade nova.
Não contente com a doação de cerca de 300 peças da Antiguidade Clássica colecionadas ao longo da sua vida, o casal financiou, ainda, a realização das obras de adaptação e beneficiação do museu, por forma a que o espaço pudesse receber condignamente aquele património. Tal correspondeu a um investimento de cerca de um milhão de euros que beneficia diretamente o museu, mas sobretudo o concelho e os bracarenses que devem aproveitar para conhecer este espólio ímpar.
Ao encarnarem o verdadeiro espírito de Caio Mecenas, o amante das artes romano que passou a simbolizar e significar o apoio à cultura, o casal Bühler-Brockhaus converteu-se automaticamente à “cidadania bracarense” e merece o tributo de toda a sociedade local, o que espero venha a ser concretizado na simbólica, mas não menos sentida e sincera atribuição do mais alto grau honorífico que o concelho pode conferir às pessoas e entidades que lhe dão mais do que aquilo que dele recebem.
O testamento histórico que legaram a Braga, cuja preservação e disseminação ficam a cargo dos bracarenses no seu conjunto, é igualmente uma responsabilidade cidadã. Uma responsabilidade quanto à promoção fora de portas, dando a conhecer a riqueza adicional que esta coleção representa para o país; mas também um impulso contra a indiferença local, ato reflexo com que tantas vezes nos condenamos à ignorância e ao desaproveitamento das riquezas que existem dentro das fronteiras das comunidades em que vivemos.
Para concretizar esta responsabilidade é obrigatório começar por apostar na valorização destes tesouros (nativos ou imigrantes) junto dos bracarenses. E é por essa razão que iniciativas como a candidatura a Capital Europeia da Cultura devem acomodar os pressupostos de criação de mercados de cultura endógenos que, independentemente da maior ou menor captação de públicos externos às sedes das CEC, garantam que são geradas soluções que se liguem umbilicalmente às comunidades que estavam, estão e estarão para além da efeméride.
Só assim poderemos dar por bem empregues o tempo e dinheiro dedicados à preparação e (eventual) execução destas capitais e sedimentar em frutos e colheitas permanentes as sementes que por elas são lançadas.
Só assim estaremos em condições de respeitar a oferenda do casal Bühler-Brockhaus e estimular a que outras nos sejam confiadas.
Numa cidade como Braga, cultura e história devem, pois, passar a ser sinónimos da identidade local. Cabe às instituições locais garantir que tal se concretize.
Aos bracarenses caberá não desperdiçar as oportunidades que se lhes deparam. É bom não esquecer que, ao longo dos séculos, a centralidade cultural corresponde quase invariavelmente a centralidade económica e prosperidade social.
13 Junho 2025
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