Um batizado especial
Ideias
2023-11-11 às 06h00
E, de repente, o que poucos esperavam, aconteceu. Um Governo emergente de uma maioria parlamentar inequívoca, caiu. António Costa demitiu-se.
Costa resistiu a pouco mais de um ano e meio de turbulência política-mediática. Esperar-se-ia um Governo, este Governo, até ao fim da legislatura. Depois das polémicas declarações do Primeiro-Ministro sobre o seu (e do seu Governo) estilo (“habituem-se”), depois de uma fila interminável de pessoas com cv’s circunstancialmente nada recomendáveis para, aqui e agora, ocuparem funções governativas, depois de cenas tragicómicas no Ministério das Infraestruturas, ainda apimentadas pela nada explicada intervenção do SIS, o Governo permaneceu intocável. Mesmo após uma sucessão ininterrupta de greves, depois do fogo-cerrado de várias críticas e de um recorde de “casos e casinhos” em tão pouco tempo de maioria absoluta, o Governo não abanou – por isso, ninguém antevia que pudesse cair. Mas caiu e por circunstâncias, para mim, inesperadas. Rapidamente, Costa deu por acabado o seu ciclo governativo, alegadamente por causa de um parágrafo num comunicado do Ministério Público. O que se foi e vai sabendo depois e o que alguns dos intervenientes principais neste “golpe de teatro” vão fazendo/dizendo é que causa alguma perplexidade (sim, porque a política é cada vez mais - neste momento e, pelo menos, entre nós - uma atividade narrativa; narrativa distante ou só circunstancialmente coincidente com a realidade).
Nesse registo narrativo e mediático, por vezes, nem pensamos. E geram-se situações que todos nós aceitamos como inevitáveis, naturais, quando, na realidade, não o são.
Comecemos pelo “tal parágrafo”. Tenho, pessoalmente, muitas reservas quanto a certas atuações do Ministério Público. Às vezes, comunica mal, insuficientemente ou excessivamente (vg. Informações veiculadas estrategicamente para certos órgãos de comunicação social, mesmo em violação do “segredo de justiça”). Mas relativamente ao “tal parágrafo”, não creio que devesse não o redigir, nem sequer que o devesse redigir de outra maneira. “Culpar” o “tal parágrafo” pela demissão do Primeiro-Ministro (mesmo que tal tenha sido sugerido pelo próprio) e para se atacar o Ministério Público, é sinal ou de desonestidade intelectual ou de incompreensão do que seja institucionalmente um Governo e um Primeiro-Ministro. Ou ambas as coisas (hipótese para a qual me inclino mais). Infelizmente, o Primeiro-Ministro tinha de se demitir. Fê-lo e bem. Culpar o Ministério Público, a Justiça, pelo sucedido, é que já não faz sentido. E não tem nada a ver com a judicialização da política ou a politização da Justiça. Alguém acha possível, normal, saudável manter-se em funções um Primeiro-Ministro que vê publicamente dois ministros seus na situação em que ficaram o anterior e o atual ministro do ambiente? E também o seu ministro “bola de arremesso” contra o Presidente da República (Galamba)? E ainda (talvez até sobretudo) o seu “chefe de gabinete”? Por outro lado, alguém acha normal que o dito “chefe de gabinete” tenha escondido 75.000 Euros, em livros, no seu próprio gabinete que, sublinhe-se, integra a residência oficial do Primeiro-ministro? Será que também desconfia dos bancos?…. Costa teria, com ou sem parágrafo, que se demitir. Para seu bem, para honrar o seu estatuto e por respeito à normalidade institucional perdida. Não me pronuncio sobre putativos indícios e problemáticas técnico-penais. Até os acho, neste contexto, despiciendos (e, talvez e pelo que ouvi na comunicação social, pouco consequentes em termos judiciais). Mas todo o ambiente, toda a teia de cumplicidades, toda a apetência de negócios a pretexto do Estado e do seu interesse, toda a movimentação de consultores–amigos e amigos-consultores sem cargo, nem responsabilidades institucionais, fazem do poder central e do seu exercício uma espécie de associação de estudantes do secundário de outros tempos (sem desprimor para as associações de estudantes do secundário!). Isto não é normal, isto não é política.
Já agora, também não é normal o Primeiro-ministro que se demitiu (e bem, diria mesmo, dignamente) sugerir, logo a seguir, ao Presidente da República que Mário Centeno, sem eleições, o suceda no cargo. Parece, de repente, uma tentativa de “geringonça 2”, menos imaginosa e mais precipitada, para se preservar (por pouco tempo que seja) o estado de coisas, - leia-se, o poder. Ademais, com isso, lá se manchou, de vez, o (já muito débil, na minha opinião) estatuto de independência do Governador do Banco de Portugal.
Mas também há outros “karmas” dificilmente explicáveis: o Presidente da República quer, a todo o custo, que se proteja o Estado da falta de um orçamento, de um qualquer orçamento.
Quer evitar os “duodécimos”. Até por causa da execução do PRR. Para isso, por causa disso, manter-se-á este governo, nesta espécie de “serviços mínimos”, por quase 4 meses. Pretende-se que, ao menos, o Orçamento desta espécie de governo apenas de “corpo presente”, possa ver a luz do dia (embora escuro!). Ora, direta ou indiretamente, factos que suscitaram este “tsunami político” (os famigerados negócios do hidrogénio e do lítio), têm cobertura e são validados pela Lei do Orçamento que se quer aprovar! Eu sei que, num prato da balança, há os míseros aumentos projetados das reformas e salários dos trabalhadores do Estado. Mas, sinceramente, ter um mau orçamento só para ter um orçamento, talvez seja meio caminho andado para, enquanto país, perdermos mais uma oportunidade de “mudar de vida”. E, provavelmente, com danos, a prazo, para tudo e todos – a começar pelos destinatários dos parcos aumentos anunciados.
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