Um batizado especial
Ideias
2020-03-21 às 06h00
Estamos de quarentena. Mais, de sobreaviso e em quarentena. Travamos uma guerra diferente daquilo que é o nosso tradicional e literário (ou fílmico) conceito de guerra. Uma guerra que não implica combates corpo a corpo, ou bombas ou ocupação territorial por forças visíveis, identificáveis. Também não é a tão discutida e hipotética guerra digital total – objeto de especulação académica, geoestratégica ou mesmo (também, novamente) literária e artística. Mas é uma guerra que não tínhamos até agora equacionado, com um inimigo verdadeiramente global (pandémico) e que nos ataca na nossa própria esfera de privacidade, nos nossos circuitos quotidianos, na nossa atividade corrente e habitual, enfim, literalmente, que nos ataca quando respiramos! Uma primeira pandemia global, num mundo recriado pela globalização; um ataque impulsionado, também, pela facilidade de deslocação e de contato típicos da “vida global”.
Normalmente, estamos habituados a períodos pós-guerra em que o esforço das comunidades se concentra prioritariamente na reconstrução. Na reposição da normalidade de vida que caracterizava a existência quotidiana pré-guerra. Foi assim, por exemplo, na Europa do pós-II Guerra Mundial que forjou (esse pós-II Guerra Mundial) uma “nova ordem internacional”, saída das Conferêncisa de Bretton Woods. Mediata e indiretamente, originou, também, o processo de integração europeu. Mas essas reconstruções clássicas, independentemente dos avanços políticos, culturais e civilizacionais que acabavam por desencadear, tinham como referência a normalidade sem guerra ou do pré-guerra. Ora, creio que, nesta nossa primeira guerra global e pandémica, a reconstrução – e é isso que importa pensar, ou seja, pensar já na reconstrução, não perder o sentido de futuro – será diferente. Será talvez revolucionário, no sentido de precipitar um estado de coisas que se anteviam, mas para o qual pensávamos que ainda tínhamos tempo. Pensávamos que o novo mundo e a nova vida ainda viriam de forma relativamente progressiva. Talvez a Covid-19 nos obrigue a adaptar-nos mais rapidamente; instantânea e disruptivamente.
O denominado “teletrabalho” que se começou a usar e a expandir também exponencialmente vai abrir as portas a um novo conceito de “estar em atividade”. De trabalho. Concomitantemente, mesmo depois de tudo se acalmar (talvez com a distribuição global de uma vacina), o desemprego em relação a algumas atividade laborais tradicionais ganhará outra dimensão. E passará a ser inevitável para muitos, na medida em que não estejam preparados para se reconverterem digitalmente. Nada que não estivesse já a ser equacionado, nomeadamente, em termos de análises e previsões. Em teses académicas. No entanto, talvez sejamos obrigados a encarar já o problema daí decorrente. Já ao virar desta crise. E isto será assim, até mesmo porque esta necessidade de não parar a atividade económica e de trabalhar mesmo em casa, através de meios digitais, evidenciará, muito provavelmente, uma das vantagens que todos já reconheciam á digitalização da economia: maior produtividade e menores custos. Isso tornará inevitável, imparável, o fenómeno que agora, massivamente, se vai experimentando necessariamente por causa do Covid-19.
O Estado e a imaginativa criação de políticas públicas de apoio social eficazes e ajustadas a uma “nova economia”, serão fundamentais. Caso contrário, assistiremos a uma nova pandemia de carater social-laboral e á formação de verdadeiros exércitos de excluídos da digitalização.
Inevitavelmente, ainda que se supere (como todos esperamos) esta pandemia do Covid-19, o vírus da mudança na área laboral estará já em marcha, acabará por rapidamente fazer sentir os seus efeitos. A internalização dos seus efeitos positivos depende de muito equilíbrio, de muita habilidade e realismo, mas sobretudo de ações públicas rápidas. Viveremos uma nova era do que é a relação de trabalho que tenderá, cada vez mais, a perder os contornos (nomeadamente jurídicos) que conhecemos. Cada vez mais seremos uma espécie de prestadores de serviços independentes, com a figura do contrato individual de trabalho a cair em desuso….
Mas essa será uma, entre várias, mudanças que, mais depressa do que imaginávamos, viveremos. Nós gostamos de viver habitualmente” (de resto, Unamuno dizia que o Homem ocidental gosta precisamente de viver habitualmente, rotineiramente). Ora isso (viver habitualmente) é coisa que, superando esta pandemia, muito dificilmente sucederá, pelo menos durante algum (muito?) tempo, seguindo os quadros da nossa (ainda) atual normalidade. Habituemo-nos, portanto e desde já, ao futuro.
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