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Hei de levá-lo ao céu...

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Hei de levá-lo ao céu...

Voz aos Escritores

2019-05-17 às 06h00

José Moreira da Silva José Moreira da Silva

Um dia, li que amar é a gente querer abraçar-se com um pássaro que voa. A partir desse momento, nunca mais deixei de ler João Guimarães Rosa e de admirar o seu profundo conhecimento do mundo das aves. Com ele, mergulho na natureza, olho nos olhos os pardais e os chapins, os verdilhões e os serzinos, a par dos outros, de beleza profundamente canora, que nos transportam na paz e na poesia. Digo isto porque ouvi, há poucochinho, o canto melodioso de uma mãe, embalando o filho num banco de jardim.
O meu menino é de oiro, lembram-se? Desconheço o autor, mas transporta-me saudosamente para os braços de minha mãe. Casimiro de Brito, poeta que muito admiro, diz que a música traz na bagagem a memória do sangue, e é de memória, de amor e sangue que agora escrevo. É curioso como, de repente, e em concatenações inevitáveis, ocorrem marulhos e sons de água a foliar, trovões e cheiros de sulfureto, assobios de vento nas frinchas das janelas, mugidos de vacas no curral, guinchos e bramidos de crianças no recreio da escola. E a voz doce e calma de minha mãe. Quero, neste momento, palavras que sirvam na boca dos passarinhos, e agradecer a Manoel de Barros o facto de tê-lo dito para mim, tal como agradeço ao Bernardim o ter-me dado o rouxinol num dia de solfejo arrebatado. Como é possível esta mescla de recordações da realidade com a própria realidade, este abraço entre o escrevente e os poetas, entre a emoção e a essência da própria vida?
Fecho os olhos e levito: hei de levá-lo ao céu, a ele, ao menino de oiro. Abraço Cesário num bairro moderno e ouço, ouvimos, um canário. Que infantil chilrada. E os melros de Junqueiro, ei-los também ali, de bico loiro e cantando. Maria, a mãe, a ingénua, a plácida, macia e pura, do Namora, ingénua como um pintassilgo, continua: enquanto for pequenino, hei de ensiná-lo a cantar. Sinto-me, neste momento, Sebastião da Gama: encarcerar a asa é encarcerar a alma. Não sei se, de asa encarcerada, o galo de Pessoa canta hinos à liberdade. Se acorrentar o canto é jugular o poema, libertá-lo para dois poleiros não parece ser satisfatório desenlace. Olho o menino no colo da mãe, recordo-me menino e embalo, de lágrimas quase nos olhos, os meus três filhos. Que poder maravilhoso tem esta palavra: menino. Que maciez, que baloiço, que emoção. Como terá nascido esta palavra, por que terras andou, que bocas que dores e alegrias a proferiram?
Segundo doutas opiniões, «menino» deriva da forma superlativa latina «minimus», e aparece já nos cancioneiros medievais galego-portugueses («mininho», «meninho») com o significado de «moço», «criado» e «jovem».
Se as palavras são belas, a palavra «menino» é uma bênção linguística e uma epifania poética. Como poderia o poeta ter criado o seu tão belo poema se não o tivesse no seu coração, para levá-lo, como pássaro que voa, ao profundo e amoroso céu?

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