Indispensáveis são os bracarenses
Escreve quem sabe
2023-10-27 às 06h00
Ao aproximar-se o dia seis de novembro, que o calendário litúrgico dedica a São Nuno de Santa Maria, que foi Condestável de Por- tugal, na primeira parte da sua vida, e um humilde frade Carmelita que se dedicou, na segunda parte da vida, inteiramente aos mais frágeis de Lisboa. Nunca é demais recordar que, desde a primeira hora que o Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português escolheu para seu Patrono o Condestável D. Nuno Álvares Pereira e, ao longo dos seus 100 anos de existência, o CNE nunca reequacionou esta escolha, nem sequer por uma questão teórica ou metodológica.
Convém recordar as palavras proferidas, no dia 26 de abril de 2009, na Praça de São Pedro, no Vaticano, quando o Papa Bento XVI canonizou cinco Beatos, entre os quais Nuno Álvares Pereira. Na sua homilia, ao referir-se “ao bem-aventurado Nuno de Santa Maria, herói e santo de Portugal”, o Santo Padre afirma: “Os setenta anos da sua vida situam-se na segunda metade do século XIV e primeira do século XV, que viram aquela nação consolidar a sua independência de Castela e estender-se depois pelos Oceanos – não sem um desígnio particular de Deus – abrindo novas rotas que haviam de propiciar a chegada do Evangelho de Cristo até aos confins da terra. São Nuno sente-se instrumento deste desígnio superior e alistado na «militia Christi», ou seja, no serviço de testemunho que cada cristão é chamado a dar no mundo”. E o Papa termina dizendo: “Sinto-me feliz por apontar à Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a prova de que em qualquer situação, mesmo de carácter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus.”1
É este perfil de homem que faz com que o Patrono do CNE se mantenha “em alta” e atual, desde a Fundação do CNE, em 1923. Camões, com o seu “engenho e arte” dá-nos conta de um Condestável conhecedor da arte da guerra e, por isso um estratega infalível, um capitão atento a todos os pormenores e que a todos socorria, a sua presença e as suas palavras levam ânimo e esperança às suas hostes, porque estavam impregnadas da amizade, pois vinham do coração. O traço da humildade com que o poeta retrata este homem, faz dele um líder, no momento de disfrutar da “glória dos vitoriosos” ele, depois de feita a defesa da sua terra e do seu rei, volta ao Alentejo, num outro trecho: «Eis ali seus irmãos contra ele vão / (Caso feio e cruel!); mas não se espanta, / Que menos é querer matar o irmão, / Quem contra o Rei e a Pátria se alevanta.» (IV – 32) Camões dá um retoque de mestre nesta sua cateterização do Condestável, um cidadão que ama o seu país e que não o troca, por um “prato de lentilhas”, nem que para isso tenha de se colocar do lado contrário ao de seus irmãos.
É este sentido de cidadania, de responsabilidade e de honestidade, entrelaçada por um humanismo profundo que define o caráter e a personalidade de Nuno Álvares Pereira e que fazem dele um herói, ou um cidadão, ou um santo, seja qual for a perspetiva da nossa análise ou de todas em conjunto.
Camões coloca este Homem notável, dos finais da idade média, a fazer uma opção, muito para além do seu tempo. Ele optou por um novo paradigma: dar a sua fidelidade “à terra que o viu nascer, isto é, ao seu país e não à figura do rei. De certa forma optou por um novo paradigma “o conceito de fidelidade à Pátria, ao País” e não aos senhores. Esta visão faz dele um líder do seu e no nosso tempo, dir-se-ia com propriedade, que é um líder intemporal, pois destacou-se do seu tempo e permanece sobre todos os outros tempos, por ter atingido o estádio de modelo. Nuno Álvares, no dizer de Bento XVI, aquando da sua proclamação como Santo da Igreja, conseguiu conciliar, na difícil tarefa de ser comandante militar, esta sua ação com a vivência da fé cristã e soube no momento certo fazer a opção pela pobreza e pelos pobres.
Esta última fase da sua vida ilustra bem as virtudes do amor ao próximo e da humildade, recorrendo às palavras do Papa Francisco, São Nuno de Santa Maria foi um verdadeiro defensor dos mais frágeis da sociedade do seu tempo, tão bem por isso, podemos afirmar que ele continua a “ser um modelo fixe” para as nossas crianças, jovens e adultos.
1http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2009/documents/hf_ben-xvi_hom_20090426_canonizzazioni.html
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