Correio do Minho

Braga, sexta-feira

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Imagine

Entre a vergonha e o medo

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Ideias

2016-10-18 às 06h00

João Marques João Marques

Não, não se trata de mais uma evocação do dia mundial da paz ou do apelo à necessidade de concórdia entre os povos da terra, ao som da famosa música de John Lennon. O verbo é mesmo o português e o pedido é expresso: imagine.
O exercício que proponho é que se imagine sendo eleito presidente de Câmara, uma daquelas com algum grau de exigência, que sirva um número aproximado de 182.000 pessoas, eventual capital (oficiosa) de uma região semelhante ao nosso Minho.

Imagine, também, que para chegar a presidente de câmara teve que “suar as estopinhas”, que, durante mais de dez anos, trabalhou com o intuito de provar que a alternativa que propunha representava um sensível acréscimo de qualidade, de competência e de seriedade. Imagine, ainda, que, durante mais de uma década, ouviu, de quem detinha o poder, as justificações mais implausíveis para negócios de muito duvidoso interesse público, se é que algumas justificações chegava a ouvir. Imagine, até, que, durante esse período, quando já não havia argumentos para contrariar a lucidez da sua lógica, os seus opositores, os tais que dirigiam a autarquia, não se ensaiavam para jogar o “ás de trunfos”, na simples, quiçá simplória, formulação do “remeta-se à insignificância dos seus votos”.

Imagine que, para além da família e do trabalho, ainda se prestava, como era o seu dever, a acompanhar minuciosamente as questões do dia-a-dia da autarquia, fiscalizando a atividade de quem confundia poder democrático com autocracia. Imagine que ainda tinha força para apresentar propostas de notável valor acrescentado para o seu município e que elas eram liminarmente rejeitadas. E imagine agora que essas propostas eram repescadas, meses mais tarde, pelo partido do poder, graças a um trabalho minimalista de Photoshop, em que a única coisa que mudava era mesmo o carimbo que identificava os proponentes (o que era seu, passa a ser deles). Também não é difícil imaginar o que acontecia a essas nova propostas, agora muito melhor embelezadas pelo papel timbrado da autarquia.

Imagine que, ano após ano, chama a atenção para as meias verdades orçamentais que lhe apresentam. Condena a desorçamentação levada a cabo em manobras financeiras que só servem para esconder uma evidência: a autarquia enfrenta evidentes dificuldades de tesouraria. Projetos de milhões de euros que só veem a luz porque deverão ser pagos em milhões de prestações, sempre com o cómodo conforto dos bolsos dos seus cidadãos a servir de garantia. Imagine que, por muito que fale e alerte para estas questões, o único eco que recebe de quem manda é um esclarecedor silêncio ou a indigente acusação de maledicência crónica.

Finalmente imagine que, para chegar ao seu objetivo, teve de passar por derrotas duras, que considerou injustas, mas que democraticamente aceita porque sabe que a razão não se conquista com votos, apenas o poder. Sabe que, a cada ano que passa, fica mais próximo do objetivo e que tem cada vez mais dos seus concidadãos junto de si.

Agora imagine que vence as eleições, constitui equipa, começa a governar e um dos primeiros atos que decide ordenar é uma auditoria às contas da câmara para que se conheça, com precisão, quais as questões de ordem financeira com que o município se confronta. E dessa auditoria saem resultados, no mínimo, assustadores, embora expectáveis de acordo com todos os alertas que foi fazendo ao longo dos anos enquanto esteve na oposição.

Tem, pois, perante si, um cenário difícil, em que tem de conciliar os compromissos financeiros muito exigentes, com os compromissos eleitorais que fixou com os cidadãos. De forma competente, consegue fazer face a ambos os desafios. Consegue baixar o prazo de pagamento a fornecedores e aumenta a taxa de execução do orçamento, até porque começa a apresentar orçamentos realistas e não com objetivos ficcionados.

Sucede, porém, que, para além de todos os esqueletos que a referida auditoria resgata dos armários esquecidos da inconsciência política, é ainda brindado, de tempos a tempos, com nova faturas que tem de pagar por pura incompetência de quem, antes de si, dirigia os destinos da autarquia. E, grão a grão, vê ascender os montantes de que tem de prescindir para pagar essas novas dívidas do passado a cerca de 10% do orçamento anual que tem para gerir. Mais um milhão de euros do dinheiro dos impostos dos seus munícipes que tem de pôr de parte para pagar pela incompetência de quem o antecedeu.

Imagino, agora eu, que, perante todo este cenário, qualquer cidadão de mediano bom senso perspetivaria que aqueles que eram poder e agora são oposição, responsáveis pelas dívidas que vão chegando para que todos nós possamos pagá-las com o resultado do nosso trabalho, tivessem o bom senso de “apontar as armas” para tudo menos para a gestão financeira da autarquia, correndo o risco de passar a perigosa fronteira que separa o descrédito do ridículo.
Pois é, caro bracarense, imagine outra coisa, porque, por cá, o bom senso não paga imposto, por isso, ainda não é matéria que interesse tratar por essa oposição.

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