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Braga, segunda-feira

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Já te disse que te amo?

A Cruz (qual calvário) das Convertidas

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Conta o Leitor

2022-07-03 às 06h00

Escritor Escritor

Texto Ana Isa Meireles

A pandemia que vivemos veio ensinar-nos, ou deveria, que o sítio onde estamos hoje não é certo nem evidente e que esta proximidade que temos pode ser suspensa por aquilo que se chama a causa natural.
No meio dos trágicos dias que se viveu, e ainda vão sentindo, o que subsistiu foi o amor, de variadas formas. Reinventamos formas de nos abraçar, de amenizar a saudade e de vermos sorrisos quando só as máscaras pareciam ditar o rumo.
Foi na altura da pandemia que os conheci e, depois, fui-os vendo e observando nos períodos em que nos cruzávamos. Uma cumplicidade evidente, e um arco-íris atrás deles que dizia, de facto, que “iria ficar tudo bem”. O problema das histórias de amor é que se não formos os intervenientes, pouco as sentiremos. Vamos sabendo aquilo que elas nos permitem saber e vamos ouvindo opiniões de quem nada sente – nem poderia.
Talvez tenha sido a pandemia que os fez descobrir o amor maduro, o paciente e o que passeia pela cidade em duas rodas, numa antiguidade moderna que os combina tão bem. Talvez tenha sido o caos da vida acelerada que os tenha obrigado a parar e a perceber que a vida, também ela, precisava de ser reinventada.
Quando me cruzava com eles, tendencialmente ao fim-de-semana, nas manhãs boas em que se passeavam, nas tardes longas em que desbravavam os trilhos e nas noites lentas onde brindavam e se eternizavam em conversas e gargalhadas soantes, eu mesma, do lado de fora da situação, era capaz de sentir a cumplicidade deles.
Dizem que quando o amor começa ele há-de ser sempre assim. Isso é uma falsa questão. O amor quando começa é uma novidade, mas não me parece que ali alguma coisa seja nova. Já se conhecem, já se experimentaram, já se afastaram até (tive muitos fins-de-semana sem os ver) e reencontrei-os, num registo diferente mas sempre com a mesma energia.
Os olhos dizem que se amam sem verbalizar, as mãos vão a medo e estão parados, nas ruas históricas, a debater qual a melhor construção para a casa. Talvez estejam a pôr em cima da mesa aquilo a que se chama “amor”. Talvez estejam a sonhar em voz alta os planos que trilham em conjunto.
O amor não é fácil. Desengane-se quem acha que é.
É uma construção delicada, paciente e que muitas vezes se pode, eventualmente, querer abandonar porque, no fundo, há casas que aparentam ser melhores, mais modernas, mais trabalhadas. Mas não são as nossas. Não são aquelas que construímos com as nossas mãos, que idealizamos com todo o nosso coração.
Encostei-me aqui à parede onde os consigo escutar, eu, e uma senhora na casa dos oitenta que está deliciada e ouvi-los. Falam de termos técnicos que desconheço, falam de pés direitos, de betão armado e madeiras icónicas para quebrar a monotonia. Creio que até ouvi falar de um jardim interior. Mas, confesso, não me importo do que falam, até porque isto é a intromissão na sua esfera, ainda que inocente, mas importa-me como falam. A paixão de quem escolhe a fachada exterior, a proximidade e o bem-estar da vizinhança, mas pensa, em voz alta, qual é o primeiro passo, porque depois há miúdos e aquilo não tem garagem, será possível que ande com eles à chuva?
Ela é mais espevitada, ele mais desconfiado. Ela ri alto, ele abana a cabeça a rir-se dela, com ar de quem sabe bem quem tem.
Talvez seja isto que significa dizer que se ama alguém. Querer não só um futuro, porque querer é fácil, mas no presente começar a trabalhar nele, porque o hoje, rapidamente é ontem.
E já se dizia, o amor não é para ser fácil. É para se saber que por muitos lugares que haja no mundo, não há nenhum como aquele que lutamos para construir.
Talvez tenha sido que a pandemia nos tenha permitido absorver: o amor.
Talvez seja isso que me permite seguir a rua e perceber que nas pequenas coisas temos manifestações tão grandes de afecto. Às vezes, quase sempre, são as pequenas coisas.
E chego a esta conclusão quando ela lhe entrega um bilhete e o guarda nas calças. Não sei o que escreveu, mas desconfiamos, nós, os espectadores, que foi a verbalização daquilo que se vê.
E nunca serão sempre as palavras. São as forças em marcha.

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