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Braga, quinta-feira

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Jair ou ficar?

Entre a vergonha e o medo

Jair ou ficar?

Ideias

2018-10-30 às 06h00

João Marques João Marques

Conheceu-se, no passado domingo, o novo Presidente do Brasil, país com o qual a nossa cidade partilha as primeiras três letras, mas cujo património histórico, identitário e humano é quase comum. É dispensável revolver os laços seculares que nos ligam, a língua que vamos pedindo emprestada aqui e ali, devolvendo-a cada vez mais enriquecida ou a cultura partilhada que nos condena ao entendimento. O que aqui pretendo sublinhar é o paradigma eleitoral que se vem densificando um pouco por todo o mundo e que, sem grandes preocupações, se tem vindo a deslocalizar para a Europa.

Temos hoje a certeza que os populismos e extremismos não são um mero fenómeno passageiro com latitude e longitude determinadas. Sabemos, com crescente preocupação, que os discursos, as personagens e os resultados têm vindo a dar razão eleitoral a esses fenómenos e que os cidadãos aderem, com crescente facilidade, a mensagens simplificadas, objetivas e não contraditadas. A interação social alterou-se drasticamente e a crescente importância das redes sociais na interligação das pessoas e propagação das mensagens foi claramente subavaliada por quem podia e devia ter refletido mais sobre ela.

Não sou psicólogo nem tenho qualquer tipo de pretensão de radiografar a psique coletiva da(s) sociedade(s) em que nos movemos, mas parece-me bastante óbvio que estamos cada vez mais dependentes de validações efémeras de ideias, pensamentos e existências. Hoje não somos o que somos, somos o que gostaremos que alguém goste que sejamos. Não que a necessidade de validação social seja algo estranho à condição humana ou uma novidade na forma como os políticos e as políticas nos são apresentados. O que quero dizer é que a constante necessidade de validação individual, em conjunto com ideias simplificadas de explicação da sociedade e da forma como ela opera ou deve operar, associadas ao espaço de atenção cada vez mais reduzido que é devotado a qualquer assunto que não nos seja individualmente querido criaram o cocktail ideal para a desgraça. E a desgraça tem um rosto: o populismo.

Deixámos de ter tempo para pensar (se alguma vez o tivemos) em nós e passámos a dedicar, quase em exclusivo, o nosso tempo à nossa individualidade. E os políticos, ao invés de liderarem pelo exemplo, acomodaram-se aos novos tempos. Tweetam, postam e replicam em espaços que não foram criados nem pensados para acomodar diferenças, mas antes para confirmar semelhanças, parecenças e amizades. Julgando aproximar-se do eleitorado, estão também a tomar parte num exercício, que roça o sórdido, de experimentação social. Esquecem-se que a filtrar, monitorizar e dirigir as suas mensagens estão supercomputadores que antecipam reações humanas, potenciam preconceitos e polarizam comunidades. Não são eles, os políticos, os únicos culpados. Como sociedade nem sequer nos demos conta (eu incluído, obviamente) da falácia em que fomos sendo encaixotados. Estamos presos à nossa identidade virtual, ao nosso cadastro de pensamentos, mais ou menos refletidos, à subversão do contexto de um comentário ou à rigidez inflexível de uma base de apoio de amigos ou seguidores que só admitem ouvir ou partilhar o que sempre dissemos, sem tónicas, modulações ou variações. Um preconceito que se vai destilando, post a post, tweet a tweet, comentário a comentário, atá ao ponto em que já não sabemos se aquela ideia era nossa, foi de outros ou se a assimilamos por defeito.

O ponto é o da desumanização, da indiferença pela diferença atendível, respeitável e, até, louvável que nos separa, mas que, separando-nos também é capaz de nos unir.
As redes sociais não criam espaços de partilha, criam bolhas de identidade impenetráveis. Não porque as pessoas as desejem, mas por que são estruturadas, pensadas e executadas, cada vez mais com acesso a intrincados modelos de inteligência artificial, para nos tornarem seres tautológicos, incapazes de derivação inteligente e acomodação da diferença. O seu objetivo, legítimo, mas condenável, é tornarem-nos tão padronizáveis quanto possível, para depois nos venderem aquilo que um qualquer “ser padrão” mais pode desejar: produtos igualmente padronizados.
Caminhamos para uma era em que se exalta a diferença e a liberdade apenas como pressupostos teóricos e não como fins em si mesmos.

E é tempo de optar, de ir ou ficar, resignarmo-nos com a aparência de escolha e liberdade ou reavermos esse espaço de autonomia e de desenvolvimento da personalidade único e inalienável de qualquer ser humano.
E toda esta treta para falar no Brasil, em Jair Bolsonaro (que nem a um debate se apresentou) e na minha humilde, seguramente deslocada e pouco válida explicação para que num país de 200 milhões de pessoas apenas aquelas duas pudessem estar à disposição do eleitorado. Não, não foram as redes sociais que elegeram o novo presidente do Brasil, talvez os algoritmos, a corrupção, a desigualdade, a pobreza, a insegurança, seguramente os eleitores e os seus receios, dificilmente a humanidade e a sua esperança.

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