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Jantar de Natal

Portugueses bacteriologicamente impuros

Jantar de Natal

Escreve quem sabe

2019-12-24 às 06h00

Vítor Esperança Vítor Esperança

O Homem sempre deu grande importância ao momento da refeição fazendo desta um ato para reforçar ligações. A refeição é assim um momento de partilha e de confraternização. Tem como objetivo a alimentação indispensável à vida e como ritual o fortalecimento de laços humanos. Não há comemoração nem festa que se preze onde os envolvidos não se juntem numa mesa ou espaço adequado para a partilha de alimentos, que acumulam a satisfação do prazer da degustação, quando não o da gula.
O Natal é o momento da maior festa da família, com os seus rituais decorativos, musicas a condizer, saudações a distribuir e publicidade quanto baste, variando essas celebrações do Natal em conformidade com a cultura das diferentes regiões e respetivas influências religiosas, hoje cada vez mais globalizadas apesar do peso cultural dos povos.

A igreja cristã soube aproveitar os ancestrais rituais das festividades do solstício de inverno, para celebrar a data do nascimento do seu Deus, assim feito Homem. No mundo cristão o Natal deixou de ser apenas essa data comemorativa para passar a ser uma época festiva com semelhanças entre elas. Aos símbolos cristãos, como o presépio e “missa do galo”, juntam-se-lhes a presença obrigatória da árvore de natal, a figura paternal do pai natal, o ritual da oferta e da troca de presentes e ainda outros eventos tipicamente regionais a exemplo do convívio comunitário à volta da fogueira. Entre tantos eventos e em quase todas as regiões há um que sobressai pelo simbolismo da união fraterna que junta pessoas que se gostam: a refeição de Natal. É hoje impensável falar de Natal sem o enfoque dado ao jantar da véspera das comemorações do nascimento de Jesus, também apelidado de ceia por ser a última refeição do dia.

Apesar das festas de Natal começarem cada vez mais cedo, não sendo raro o início da publicidade alusiva ao momento a partir de novembro, unicamente por razões comerciais, a Noite de Consoada é o Natal. A refeição dessa noite é única e inigualável, suplantando todas as outras que também acompanham outras comemorações festivas como a dos Santos Populares e da Páscoa. Sentimos nesta noite a mística duma cultura ancestral que faz parte de nós. Sentimos a força dos laços familiares envolvidos num ambiente cultural que rodeia a época natalícia onde predomina a alegria, a fraternidade e a luz. Bastaria isto para se justificar o pódio que atribuo à refeição da noite de Natal.

As críticas merecidas aos exagerados gastos que se fazem nesta época festiva, não são devidos à refeição natalícia, justamente porque se cumprem aqui também rituais de alimentação criados antes da sociedade de consumo atual. O bacalhau, hoje mais caro, era alimento a acessível, preservado por sal e por isso guardado para ser consumido em momentos especiais. O resto provinha dos campos que a maioria das famílias cultivava. Às batatas e couves, juntava-se o pão que servia aqui muito em concreto para elaboração dos doces de Natal, a exemplo das rabanadas e dos mexidos.
O Natal de hoje é uma época de consumo, apesar de muito dele se fazer como prenda a pensar nos outros. A facilidade com que se acede ao dinheiro leva muita gente a esquecer algum bom senso que evite exageros e erros de compras. A ânsia do consumo propaga-se facilmente, fortalecida pelo apelo feito pelo mercado publicitário, habilidosamente atribuindo aos produtos que oferece sentimentos que atribuímos aos valores de Natal. Devíamos pensar que tanta abundancia e manifestação de consumo pode aproximar-se do desperdício, que deveria ferir consciências civiliza- das. Sabemos bem que tal fartura não chega a todos, diria mesmo que não chega a uma significativa parte dos portugueses, tendo eu a certeza que não chega à maioria das pessoas, quando observo o mundo.

O Natal tem um significado e valor humanitário que nos apela à solidariedade. É ao jantar de Natal que se dá privilégio para a manifestação dessa solidariedade, nomeadamente possibilitando aos mais pobres e sós a oportunidade de acederem às batatas com bacalhau e doces típicos nesta altura do ano. Devemos às Organizações sociais e seus voluntários esses gestos de solidariedade, de ternura e de humanidade, que nos apaziguam consciências. O povo português é um povo solidário. Essa nobre manifestação é dada por muitos nas campanhas de recolha de bens de primeira necessidade como alimentos e roupas. A nossa participação será ainda mais forte se pensarmos que quando contribuímos como muito pouco para campanhas como as do “Banco alimentar”, estamos a dar possibilidade a muitos de terem a sua refeição diária e não apenas a da vistosa e mais publicitada festa do jantar de Natal. Quando vos pedirem ajuda solidária, respondam positivamente porque assim agradecemos a sorte que nos coube na vida de estarmos entre os bafejados por uma vida confortável num mundo tão diferente e desigual como o que vivemos, penitenciando-nos simultaneamente pelos excessos do que gastamos e temos. Nessas alturas e no Natal lembrem-se que os rendimentos e a riqueza, para além de muito mal repartida, contínua insuficiente para muitos dos que nos rodeiam. Deem um pouquinho do que têm quando vos pedirem ajuda em nome dos mais infelizes e desfavorecidos.

Mais logo, quando se juntarem aos vossos ente-queridos á volta da faustosa mesa (assim a desejo a todos), sintam o momento com alegria e fraternidade. Sintam o momento como agradecimento pela vida levamos; como agradecimento pela família que vos deu o ser e nos deve merecer sempre um acompanhamento próximo; como agradecimento pela “terra/local” onde nascemos ou escolhemos viver. Sintam o jantar de Natal em cada atitude, em cada cumprimento, em cada ajuda e partilha nos afazeres do momento, em cada riso que derem e virem dar aos demais.
O Jantar de Natal não é apenas uma refeição em família é uma oportunidade de sermos mais felizes e de fazermos os outros sentirem-se bem e felizes com a nossa presença.
Boas Festas e um Santo Natal.

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