Miguel Macedo
Ideias
2025-02-07 às 06h00
Um jogo de soma nula é uma representação matemática, muito usada na teoria dos jogos e na teoria económica, para descrever uma situação em que os ganhos de um jogador implicam necessariamente uma perda para o outro jogador. Por exemplo, o xadrez, ou o ténis, têm essa característica: não podem coexistir dois ganhadores, ou dois perdedores.
Entre o séc.XV e o séc. XVIII esta estratégia tornou-se relevante na Europa, tendo ficado conhecida por mercantilismo. Defendia-se então uma estrutura competitiva internacional que correspondia a um sistema de estados concorrentes entre si nos mercados mundiais.
Longe de se poder pensar o comércio internacional como num vazio político, a forma de aumentar a fração de mercado passava em grande parte pela manutenção, ou melhoria, de uma dada balança de poder internacional. O sistema geopolítico tinha uma lógica na linha de Darwin; os países mais fortes do ponto de vista militar subsistiam.
Claro que os ganhos de cada país tinham de ser assegurados pela força das armas. Nos países mais poderosos, 40 a 80% do orçamento total era destinado a fins militares. Sem dúvida, que tal correspondia à forma como até ao século XVIII se pensava a riqueza de um país. Tudo o que eventualmente fosse feito no sentido da promoção das exportações e/ou restrição das importações – melhorando as vias de transporte, atribuindo subsídios, permitindo exceções às normas vigentes – era feito com o objetivo último de acumular o suficiente para o prestígio dos reis e o poderio militar. Nesta fase, o mercantilismo foi uma das condições de unificação dos países, pois que se tornou “toda a atividade económica subserviente às conside- rações do estado” (Hecksher, 1954, pg. 22).
As relações entre países eram tomadas como um jogo de soma nula: para uns países ganharem, os outros teriam de perder. Os países exportadores eram ganhadores, tinham uma balança comercial favorável: recebiam um fluxo positivo de ouro que permitia maior poder político e militar. Os outros países perdiam. Ao Estado competia fixar tarifas sobre as importações e medidas de apoio à exportação.
As relações entre o poder militar, e o prestígio e influência traduziam a inter relação entre o poder e a abundância. E o ver o mundo, tal como a vida, como um jogo de soma nula, exarceba de facto os conflitos políticos. Por isso a Europa se manteve em guerras constantes, marcando uma instabilidade e uma estrutura de poder multicêntrica; os países estavam como que fechados numa espécie de dilema do prisioneiro.
Diversos estudos têm vindo a investigar os motivos que levam as pessoas a aderir a escolhas do tipo jogo de soma nula. Em 2019, Davidai e Ongis, com base em inquéritos e estudos de caso, identificaram o papel da ideologia , a desigualdade na distribuição da riqueza, a cultura, o desejo de manter o status quo e potenciais dificuldades na vida pessoal como fato- res determinantes na adesão a uma visão do mundo assente no “nós contra os outros”.
Por finais do séc. XVIII, com a Revolução Industrial, o mundo estava a mudar. A integração das economias, em todo o mundo, era acelerada pelo desenvolvimento tecnológico. Adam Smith quebrou a ideia de que a negociação era um jogo de soma nula; se os cidadãos fossem mais livres, com capacidade para negociar livremente em termos mundiais, os países poderiam exportar os bens que conseguissem produzir melhor, importando os bens que outros países produzem melhor. E David Ricardo demonstrava que duas nações podem beneficiar-se mutuamente do comércio livre, mesmo que uma delas seja menos eficiente na produção de todos os tipos de bens : o comércio livre abre as portas a um jogo de soma positiva. Tona-se claro que o comércio internacional é dependente da troca, e não decorrente de uma relação de poder político-militar, de domínio.
A ideia de que um país teria de lutar contra outros para obter uma fração de mercado – como se este fosse um valor fixo, um dado constante – é substituída pela constatação das vantagens recíprocas em termos do aumento da capacidade doméstica, tanto em termos de produção como de consumo.
O protecionismo está de volta ao mundo em que viveremos, alimentando tensões comerciais e novos desafios geopolíticos. Trump iniciou uma abordagem estratégica baseada na fixação de tarifas, ou na sua ameaça. As tarifas gerem uma resposta retaliatória, donde que novamente se terá de colocar como hipótese forte a necessidade futura de um reforço do poder militar.
A integração efetiva das economias numa complexa rede de cadeias de valor de produção, logística e distribuição, bem como a facilidade de disseminação do conhecimento, vai na prática requer que a posição dos EUA seja jogada principalmente em termos de chantagem. Neste quadro, as referências à compra da Gronelândia ou á transformação do território de Gaza num resort de luxo, expulsando os Palestinianos, podem ser vistos como estratégias fundamentalmente de ameaça, com menor probabilidade de ser implementada. Esta é talvez uma esperança irrealista. Porque a alternativa é a escalada rápida da guerra comercial, com um impacto duradouro na vida de todos nós.
E não, a guerra não está nunca de fora destes jogos de soma nula.
19 Março 2025
Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.
Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.
Continuará a ver as manchetes com maior destaque.
Faça login para uma melhor experiência no site Correio do Minho. O Correio do Minho tem mais a oferecer quando efectuar o login da sua conta.
Se ainda não é um utilizador do Correio do Minho:
RegistoRegiste-se gratuitamente no "Correio Do Minho online" para poder desfrutar de todas as potencialidades do site!
Se já é um utilizador do Correio do Minho:
LoginSe esqueceu da palavra-passe de acesso, introduza o endereço de e-mail que escolheu no registo e clique em "Recuperar".
Receberá uma mensagem de e-mail com as instruções para criar uma nova palavra-passe. Poderá alterá-la posteriormente na sua área de utilizador.
Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos.
Deixa o teu comentário