Um batizado especial
Ideias
2024-01-22 às 06h00
Nunca como agora os média noticiosos foram confrontados com uma crise de tamanha dimensão. De forma genérica, as redações estão hoje a trabalhar sob fortes constrangimentos financeiros. Nesta difícil conjuntura, os donos do grupo Global Média fizeram afundar os respetivos projetos editoriais num poço sem fundo, ameaçando despedir cerca de 200 trabalhadores. Em reação, os jornalistas do Jornal de Notícias e de O Jogo anunciaram a suspensão dos contratos de trabalho e os jornalistas do Diário de Notícias abriram uma frente de combate dentro do próprio jornal. Pior do que isto será difícil de imaginar.
Há quem olhe o jornalismo como uma mercadoria, transacionável e, por isso, sempre à procura de lucro. É um modo de encarar uma atividade que se pauta por enquadramentos legais e deontológicos que a protegem de obsessivas lógicas economicistas. Eu prefiro pensar o jornalismo como bem público, essencial para a manutenção de democracias revigorantes e para a construção de cidadãos bem informados. Sinto que este jornalismo está hoje em perigo e isso é um problema que afeta todos nós.
A crise financeira das empresas jornalísticas agudiza-se desde 2008. Sem uma estrutura financeira sólida, os jornalistas são permanentemente obrigados a fazer mais com menos. Em contrapartida, as fontes de informação apresentam-se cada vez mais sofisticadas, muitas contam mesmo com organizadas estruturas de comunicação que pensam a informação em forma de propaganda. Não está errado, se cada um dos lados perceber, e respeitar, as fronteiras da sua ação. Acontece que poderosas assessorias há muito que tomaram conta da agenda jornalística e isso tem efeitos perversos para uma independência que é vital para a qualidade da informação disseminada.
Nas últimas semanas, a intenção de despedir 200 trabalhadores da Global Média provocou uma verdadeira hecatombe nos meios de comunicação do grupo. Os diretores do DN, JN, O Jogo, TSF e Dinheiro Vivo demitiram-se, sem que tivesse havido uma decisão concertada para tal. Cada estrutura diretiva considera que não tem condições para continuar a trabalhar. E isso é gravíssimo, sobretudo para um país depauperado em projetos editoriais. Se o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias desaparecerem, Portugal conta apenas com dois diários generalistas de expansão nacional: Público e Correio da Manhã. Eis um caso particular em toda a Europa.
Seria aconselhável haver um retrocesso nessa vontade em reduzir o número de colaboradores, mas isso não resolve todo o problema. Portugal precisa de políticas públicas de apoio ao jornalismo. Que, no entanto, se apresentem com um escudo protetor de tentações políticas de controlo ou manipulação.
O Governo francês criou recentemente um passe cultural para patrocinar o consumo desses bens por parte dos jovens. O montante oferecido varia de acordo com a idade e é entregue às entidades que os mais novos escolhem para as suas práticas culturais. Podem ser livrarias (o consumo de livros situa-se nos 40 por cento), museus, cinemas, etc. Portugal poderia adotar esta ideia e incorporar aí o patrocínio de assinaturas de jornais cujas escolhas teriam de ser sempre dos cidadãos.
Neste momento de aflitivo impasse, cabe a cada um de nós fazer a sua parte para salvar o jornalismo e, com isso, proteger as nossas democracias: consumir informação paga. Com isso, estamos a robustecer redações que hoje se encontram completamente de rastos.
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