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Júlio de Amorim Lima - O?homem para além do palácio degradado

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Júlio de Amorim Lima - O?homem  para além do palácio degradado

Ideias

2023-01-08 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

Nos últimos anos temos assistido a uma preocupação, totalmente justificada, relacionada com o adiantado estado de degradação em que se encontra a casa senhorial, que foi de Júlio António de Amorim Lima, localizada na freguesia de S. Vicente (Braga).
Trata-se na realidade de um edifício cujo estado de degradação incomoda todos os que se preocupam com a defesa do nosso património.
Júlio António de Amorim Lima foi, garantidamente, um dos maiores benfeitores que Braga e todo o Minho conheceram pois, para além da determinação que o caraterizou no apoio concedido a várias obras emblemáticas, foi também um homem que apoiou os mais pobres e humildes, numa época de grandes dificuldades.

Natural da freguesia de Guilhadeses (Arcos de Valdevez), onde nasceu a 19 de março de 1859, decidiu vir para Braga quando tinha apenas 12 anos, desenvolvendo aqui uma intensa atividade económica e industrial.
Júlio de Amorim Lima foi, para o “Diário do Minho”, de 10 de setembro de 1942, “o maior benemérito de Braga nos últimos tempos”. Foi com Júlio de Amorim Lima que Braga e a região do Minho viram surgir “Edifícios escolares, igrejas, capelas, santuários, parques, fábricas, tudo a sua mão dinâmica moveu e a tôda a parte fez chegar a sua acção de homem que sabe trabalhar e fazer vingar os seus planos”.
Atualmente os bracarenses podem desfrutar de dois locais de inegável beleza e utilidade: o lago do Bom Jesus e o Parque da Ponte, tendo ambos um impulso decisivo dado por Júlio de Amorim Lima.
Uma das ações mais louváveis de Júlio de Amorim Lima foi ter apoiado largas dezenas de trabalhadores muito pobres, pagando-lhes o ordenado, apesar das empresas onde trabalhavam encontrarem-se com dificuldades ou até mesmo encerradas.

Não querendo aqui alongar-me nas várias obras materiais de Júlio de Amorim Lima, irei recordar o contributo dado numa área decisiva para o progresso de Braga e da nossa região: os vários edifícios escolares que custeou.
Uma das escolas que Júlio de Amorim Lima mandou construir foi na freguesia de Adaúfe (Braga), num ano e num contexto particularmente difíceis. Vivia-se o terrível ano de 1917, marcado pela Primeira Guerra Mundial e pela miséria associada a um país muito pobre e rural.
Nesse ano, a carestia era tal que os motins de fome ocorriam quase diariamente. Os assaltos, as ameaças e até os assassinatos eram frequentes em Braga e na nossa região. O milho, bem preciosíssimo na época, era escasso e estava só ao alcance de alguns.

A este cenário de pobreza total, associava-se a partida de jovens recrutas portugueses para os campos de batalha da Primeira Guerra Mundial.
Um dado bem revelador desta pobreza encontra-se no recenseamento geral da população portuguesa, de 1920. Aí ficamos a saber que em 1910 a percentagem de recrutas analfabetos na Alemanha era de 0,03% e em 1920 a percentagem de recrutas analfabetos em Portugal era de 62%! Éramos então o país da Europa com maior taxa de analfabetismo a nível dos recrutas. (1)
A pobreza também se refletia noutra área: em 1920, existiam no distrito de Braga, imagine-se, 567 idiotas (367 homens e 200 mulheres) e 62 alienados (37 homens e 25 mulheres)! (1)
A alfabetização era então uma prioridade da sociedade portuguesa. Foi nesse ano que Júlio de Amorim Lima mandou construir, na referida freguesia de Adaúfe, escolas para ambos os sexos, num edifício mandado construir propositadamente para o efeito.

Segundo o “Commercio do Minho”, de 4 de novembro de 1917, o edifício escolar seguia o “modelo oficial do arquiteto Adães Bermudes, com modificações introduzidas pelos snrs. engenheiro Monteverde e architecto visconde do Fraião”.
Para lecionar as aulas em Adaúfe, Júlio de Amorim Lima custeou os ordenados do professor Bernardo José Correia e da professora Judite Oliveira. Para além disso, ainda ofereceu vários materiais necessários ao funcionamento da escola e ainda muitos livros, tão escassos na época.
Júlio de Amorim Lima “Olhou para as creanças, para os filhos do povo, viu n’ellas os homens do futuro, e abriu-lhes as portas do templo da Instrucção, construindo escolas e sustentando-as á custa da sua bolsa, n’um desejo ardente e vivo de ser útil á sua Pátria, porque as escolas são fontes copiosas de luz e de progresso: da luz que orienta e dignifica os povos cultos, e do progresso que é o fundamento solido da vitalidade da nação” (id).
A 8 de novembro de 1917 a fonte referida intitulava mesmo Júlio de Amorim Lima como o “Benemérito da Pátria”!

Os habitantes de Adaúfe, mesmo hoje, muito devem a Júlio de Amorim Lima, por ter contribuído para a escolarização dos seus pais, avós e bisavós da freguesia e do concelho de Braga.
A ação benemérita de Júlio de Amorim Lima foi ainda mais marcante devido à sua personalidade. Humildade e simplicidade eram as suas características basilares. Foi sempre “a mão generosa, que toda a gente conhece e bem diz, espalhando em rasgos de altruísmo o Bem por toda a parte, mitigando a fome e alliviando dôres, sempre revestido d’aquella modestia e d’aquella humildade que são a affirmação mais solemne e cathegorica do seu grande caracter” (“Commercio do Minho”, 8 de novembro de 1917).

Ainda segundo esta fonte, nunca a vaidade o seduziu, nunca fez do seu nome ostentação. Era um total conhecedor das grandes misérias humanas, dos verdadeiros infortúnios sociais. Estava permanentemente atento e ouvia “as lamentosas imprecações das boccas famintas”.
É pena que o seu nome esteja hoje muito associado, não às suas obras, mas à degradação vergonhosa que o seu belíssimo palacete se encontra.
Aproveito para desejar que o ano de 2023 fique marcado pelo símbolo da Paz.

1) Censo da população de Portugal - dezembro de 1920. Lisboa: Imprensa Nacional, 1923

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