Ser ou não ser
Ideias
2015-11-23 às 06h00
Na ressaca dos terríveis atentados de Paris, foram muitas as questões que nos colocamos enquanto portugueses e europeus. Estará o mundo mais perigoso do que estava há 30 anos? Estará a Europa em perigo? O que falhou no trabalho dos serviços secretos europeus e norte-americanos? Em nome de que é que se faz esta guerra? Uma vida em França vale mais do que uma vida no Líbano ou no Mali? A Europa fica em perigo por acolher refugiados de guerra? O assunto é complexo. E, pior que tudo, desperta medo, o mais terrível rastilho da irracionalidade.
O mundo não está mais perigoso do que estava há 30 anos. A Europa também não. O que mudou foi o tipo de ameaças a que estamos sujeitos e a forma como percepcionamos os perigos em que estamos enredados no momento actual. Os atentados de Paris tiveram um forte pendor religioso e ideológico, atingindo não só o coração geográfico da Europa ocidental como também, de forma simbólica, alguns dos elementos distintivos das sociedades seculares europeias.
Na terra de Voltaire, os terroristas dispararam rajadas sobre “os infiéis” que frequentavam bares e restaurantes e que assistiam a concertos de música e jogos de futebol. Com esse gesto hediondo pretenderam castigar o modo de vida ocidental, atingir os alicerces da Europa laica e desafiar os princípios em que assenta a sociedade secular europeia, sintetizados na máxima da revolução francesa: “liberdade, igualdade e fraternidade”.
Aconteceu em Paris como poderia ter acontecido em Braga. O que os terroristas quiseram atingir é-nos comum. Não é de estranhar, por isso, que a comoção, a consternação e o medo tenham sido assinaláveis entre nós. Está muito claro para todos que uma vida no Líbano ou no Mali não vale mais do que uma vida em Paris, mas também é evidente que nos identificamos muito mais com a França do que com outros países visados pelos terroristas. E isso faz toda a diferença na forma como reagimos.
Sendo certo que parecem ter existido falhas no trabalho dos serviços secretos europeus, nomeadamente na partilha de informação entre as agências dos diferentes países e estando claro que é imperioso monitorizar com maior rigor as atividades dos cidadãos europeus com ligações aos grupos terroristas, a forma como a Europa reagir a esta nova ameaça é decisiva.
Mais do que matar pessoas, os terroristas querem limitar, para depois destruir, a liberdade, a democracia, o estilo de vida europeu e a sua capacidade histórica de construir uma sociedade progressivamente mais inclusiva e tolerante. É por isso que é importante atuar na base do problema.
Em primeiro, é urgente assegurar a liberdade religiosa de todos os cidadãos (incluindo aqueles que não têm religião), moderando o privilégio das religiões na esfera pública. A religião não pode continuar a servir de critério para a discriminação de cidadãos, de salvaguarda para a disseminação de ideias racistas, sexistas, xenófobas ou homofóbicas nem de privilégio para a prossecução de políticas (internas ou externas) que violam os direitos humanos e os princípios mais basilares da construção europeia.
Em segundo, é urgente limitar o financiamento e o armamento do chamado “estado islâmico”, congelando as contas daqueles que estabelecem negócios com os terroristas e que, por essa via, financiam as suas atividades. Em paralelo, importa denunciar os países e organizações que lhes vendem armas.
Em terceiro, é urgente melhorar os mecanismos de integração europeia, seja na garantia do controlo das fronteiras da União Europeia seja na partilha de informações sobre os cidadãos com atividades ligadas ao terrorismo. É precisamente no momento em que tantos questionam a União Europeia que os perigos da desintegração europeia se tornam mais evidentes.
Por último, é urgente que a Europa continue a ser fiel aos seus princípios humanistas. Os refugiados sírios fogem, precisamente, daqueles que atingiram a Europa em Paris. São refugiados de guerra. Se lhes fecharmos a porta a pretexto de uma série de notícias falsas e mal-intencionadas, estamos precisamente a sucumbir perante o terror. E isso é tudo o que a Europa não precisa neste momento.
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