Juntar sinergias para robustecer o território!
Voz aos Escritores
2025-05-23 às 06h00
Hoje, quero celebrar maio,
o mês da inquietação.
Quero vestir-me de papoila,
com cores vibrantes,
saia escarlate,
pés de esperança,
firmeza e música no andar,
um aromático dançar!
Revisitar o mês de maio é como ir pelos montes para assistir ao voejar alucinatório da passarada.
É rumar numa jangada aberta à imaginação. Muito do que havia a dizer, nessa altura, dizia-se a cantar. Assim nasceram as canções da liberdade, que se converteram num excecional instrumento de mobilização e de consciencialização de largos setores da população portuguesa, dos estudantes aos operários, e que acabou por conquistar o direito de ser a senha do vitorioso levantamento militar em abril de 74.
Esse ponto de viragem trouxe liberdade aos armários e potenciou o nascimento da moda de autor. É o tempo das calças da ganga à boca de sino, dos saltos para homens e, claro, das minissaias.
A minissaia revolucionou a moda do século XX, tornando-se um símbolo da emancipação feminina e sinónimo de libertação e rebeldia.
É esse ganho que hoje quero afirmar — a liberdade de autor.
Começo por recuar à manhã do dia 25 de abril de 1974. Tinha apenas quinze anos e um saco cheio de sonhos, costurados na bata branca, desde a escola primária.
Estava uma manhã ensolarada de primavera em perfeita sintonia com a agitação que se sentia no ar. Eu tinha acordado não com o som distante de sirenes e vozes exaltadas, mas com a música que se ouvia do rádio lá de casa. Confesso que não conseguia entender completamente o que estava a acontecer. À partida, era um dia como outro qualquer, mas o meu coração pulsava com uma energia diferente. Vivia numa terra pequena onde as pessoas adultas eram cautelosas relativamente à política. A ditadura que governava Portugal há anos havia trazido medo e repressão, dominava a ignorância e a pobreza a todos os níveis.
Naquela manhã, a caminho da escola, vi um grupo de pessoas reunidas na praça da vila. Curiosa, decidi ir até lá. Ao chegar, percebi que a atmosfera estava carregada de esperança e determinação. Havia jovens e mais velhos, homens e mulheres, todos unidos por um mesmo objetivo: clamar a liberdade. Relatavam que, na capital, um grupo de soldados, com flores nos canos das suas armas, marchava, marchava.
Era o início da Revolução dos Cravos, e o povo aplaudia. Gritos de liberdade ecoavam por toda a parte. Como por magia, senti uma onda de emoção invadir o meu ser. Impetuosamente, despi a bata branca, símbolo da normalização das regras rígidas impostas. Começava a libertação das minhas pernas! Prontamente, dobrei o cós da saia duas vezes e mostrei logo ali o nascimento da minha “veia artística”. Aquele momento era histórico, e eu queria fazer parte dele. Impulsionada por uma força interior, uni-me aos restantes alunos. Juntos, nós cantámos, dançámos e celebrámos a esperança de um novo amanhã. Juntos compartilhámos ideias sobre a liberdade e a justiça social. A energia positiva sentida era contagiante! Eu sabia que aquele dia marcaria o início de uma nova era no nosso país. Nos dias que se seguiram, a revolução trouxe mudanças significativas e, com elas, novos desafios.
Hoje, ao olhar para trás, percebo que não foi apenas um dia de revolução, mas o marco da minha transformação pessoal. Foi o dia em que descobri a minha voz e a minha sadia rebeldia ao ter a noção do “belo” nuns míseros centímetros de saia. Tal como defendeu Baudelaire, a moda manifesta o desejo “de retirar o eterno do transitório”, portanto os objetos que envergamos não são apenas vacuidade, mas linguagem, criatividade, manifestação de uma aventura poética, e também resultado do nosso constante “apetite do belo”. É nesta busca do belo que se ergue a cidade dos homens, as suas casas, as suas obras, as suas roupas.
Agustina Bessa-Luís, uma das raras escritoras portuguesas que nunca teve medo de assumir publicamente o quanto gostava de vestidos esvoaçantes, dizia que seria bom ganhar o prémio Nobel, “mas de certeza não tão bom quanto comprar um vestido novo”.
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