António Braga: uma escolha amarrada ao passado
Ideias
2023-02-06 às 06h00
Diz-se que uma das características mais marcantes, para uns fatalmente, para outros indiferenciadamente, do “ser português” é a procrastinação. E, associada a ela, ou complementarmente a ela, a repetição e a dissecação de um assunto no seu âmbito e natureza mais acessória, lateral ou, dir-se-á mesmo, pueril e conjuntural, deixando o que é verdadeiramente importante sem protagonismo e com adiamento sem data marcada de conclusão. Confessa-se que não se sabe se assim será. Interroga-se como foi este povo e esta nação capaz de todos os seus feitos históricos e conquistas, se assim é. Mas também se interroga se já não deveriamos estar mais “à frente” em função de todo o potencial e qualidade que a nossa história (enquanto povo e nação) revela.
Matéria para sociólogos, historiadores e tantos outros que deixar-se-á a quem de direito. Todavia, e concentrando-se o texto na área da Cidade, há evidências que se retiram desta realidade e que se julgam tão determinantes na sua caracterização quanto fatalmente incontornáveis.
São três: a convicção de que não é preciso planear; a crença de que tudo se resolve por decreto; e a esperança de que tudo vai correr bem…
Invariavelmente, em momentos de grandes projectos, intervenções e eventos, que se perspectivam e concretizam num tempo longo – exigindo obras, construções, alterações, investimentos, concertação, … - surge como tema de conversa que tudo é feito apressadamente e “na última hora”, num improviso e “desespero” que torna tantas situações fatalmente inevitáveis.
Embora a realidade e a história nos mostrem que esses grandes projectos, intervenções e eventos não deixaram de ser feitos e, regra geral, com inegável sucesso, na verdade, tudo se verifica arrastado no tempo, sem previsão ou antecipação (nunca esquecendo que o planeamento é a tentativa mais sólida possível de antecipar o futuro), sucedendo-se adiamentos, lassidão e inacção até ao fatídico dia em que não mais é possível “adiar”… Tudo se precipitando em função das necessidades do momento, daquele momento que é cada vez mais urgente (porque cada vez mais próximo da meta) e, depois, tudo se sobrepondo e atropelando para conseguir tudo fazer. O planeamento não dá lugar à acção, é substituido pela reacção. E vamos fazendo e alimentando-nos pela reacção…
Quando “surge um problema”, quando se levanta um desafio ou se colocam questões importantes para a comunidade, problemas, assuntos e questões que deveriam merecer debate, reflexão e concertação, em Portugal, observa-se a tendência para tudo se resolver com legislação, para tudo decretar, num passo de magia que tem tanto, porventura, de necessário quanto de inconsequente (se não for, depois, perseguida a sua correcta concretização e fiscalização) quanto incompleta (se não for acompanhada de outras medidas e acções).
Na verdade, julga-se que é suficiente decretar e ser ambicioso no corpo da lei para “tudo se resolver”. Em Portugal, a ambição, a qualidade e o detalhe legislativos são grandes, muitas vezes, singulares e avançados comparativamente a outras realidades, tantas vezes e “em teoria” a raiar a perfeição. E, assim, arrojados e ambiciosos. Porém, raramente este “acto de decretar” é acompanhado dos seus complementos operativos (ou seja, meios para concretizar e fiscalizar) e supletivos. E, assim, tudo fica aquém dos resultados desejados, muitas vezes, perdendo pertinência e credibilidade, deixando, tantas e tantas vezes, de ter relevância e aplicabilidade.
A falta de planeamento e a fé no decreto produzem um efeito perverso de que “tudo se resolve” e “tudo está feito”, resultando um caminho que se sustenta naquela expressão que olha para o futuro com esperança, mas reconhece resignação no presente: “logo se vê”.
“Logo se vê” é expressão recorrente em Portugal e, acredita-se, o retrato fiel deste modo de ser e actuar, desta condição nacional de que tudo se resolve assim haja dia de amanhã. Poderiamos invocar a expressão “graças a deus” (nesse agradecimento induzido a alguém que nos socorre perante a nossa incapacidade) ou a outra “se deus quiser” (nesse reconhecimento de que, talvez, não se justifique planeamento e prevenção já que, afinal, dependemos fatalmente de alguém…). E outras expressões existirão, mas “logo se vê” é todo um retrato de uma “corrida” que se sabe longa e dura, que carece de previsibilidade e planeamento, programação e concertação, meios e objectivos. E a repetição da atitude certa no tempo indiferenciado: hoje como ontem, amanhã como hoje.
“Loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exactamente igual”. Talvez seja este o retrato da nossa actualidade, seja ela no domínio da habitação, seja no domínio da mobilidade, ambiente, cultura, educação, saúde e comportamento ético e cívico de quem comanda e de quem é comandado. Talvez… mas quem sabe se tal não muda.
11 Dezembro 2024
11 Dezembro 2024
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