Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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‘Um dia…’, por Filipa Magalhães

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2012-07-31 às 06h00

Escritor Escritor

À medida que os ponteiros do relógio percorriam o seu caminho ciclónico e esse som se transformava numa melodia sincrónica para os meus ouvidos, os batimentos do meu coração aumentavam de intensidade e enquanto detinha a mão sobre o peito, quase a ponto de os conseguir contar um a um, deixei-me levar pelo meu subconsciente e mergulhei nas memórias que guardo, como que num cofre, de nós.

Então, voltou a surgir na minha mente aquele cheiro à relva acabada de regar, sempre misturado com o perfume intenso das margaridas que preenchiam e delineavam os limites do jardim da casa da minha avó. A minha visão foi tomada pelo longo caminho em pedra e pelos meus passos apressados, acompanhados pelas gargalhadas ingénuas que entoavam delicadamente nos meus pensamentos, como se se tratassem de um som alheio.

Depois surgiste tu, com cara de menino, olhos verdes e sorriso maroto nos lábios. Era quando entravas por aquela portada de ferro envelhecida que mais me sentia completa. Deixava de ser a única criança apressada a percorrer o caminho de pedra, percorríamo-los juntos; deixava de ser a única criança a querer rebolar na relva verdejante, rebolávamos juntos; deixava de ser a única criança cuja gargalhada ecoava nos corredores vazios enquanto a minha avó tricotava e, finalmente podíamos rir e, o melhor de tudo, rir juntos.

Os anos passaram e nós crescemos. Sei que ainda te lembras, tão bem quanto eu, do dia em que as nossas vidas foram obrigadas a quebrar os laços que a infância tinha construído, do dia em que os nossos olhares deixaram de ser um cruzamento comum no quotidiano de ambos.
Estávamos no final do Verão, o sol brilhava, exibindo-se perante um céu azul perfeito. O jardim da casa da minha avó deixara de ser o nosso ponto de encontro, para dar lugar ao cimo da colina da aldeia, junto às flores de amendoeira, onde passávamos a maioria das horas. Naquele dia, não sorríamos como habitualmente. Ao invés disso, permanecíamos deitados sobre a planície com as mãos dadas e os corações apertados. Tudo o que nos envolvia, era nada mais do que silêncio.

Alguém chamou pelo teu nome quando o sol estava quase a pôr-se no horizonte infinito e, instantaneamente, as nossas mãos apertaram-se com mais força. Levantaste-te, respiraste fundo e, assim que ficámos frente a frente, soltaste um sorriso e abraçaste-me. Foi o suficiente para que as lágrimas cobrissem os meus olhos de água. Voltaste, então, a cruzar o teu olhar fixo com o meu, limpaste-me as lágrimas com um mimo leve e sussurraste-me ao ouvido algumas das palavras mais bonitas que já alguma vez alguém me dissera.

No dia seguinte já não estavas lá. Nem tu, nem o teu olhar, nem muitos menos o teu sorriso. E foi assim durante anos e, em cada um dos seus dias, eu lembrava-me de ti e das palavras que proferiste naquele fim de tarde.

Até que o destino decidiu provar que existe realmente. Aí, deixou de ser necessário recorrer a memórias passadas para que o reconforto da tua voz e dos teus olhos verdes a olhar os meus, voltassem a completar a peça que faltava em tudo o que eu tinha até então alcançado. Reencontrámo-nos. Na cidade, de estudos feitos e ambos aventurando-se no primeiro emprego.
O som dos ponteiros de relógio entoou de novo na minha mente e o baú de todas estas memórias fechou-se mais uma vez. De volta ao presente, o meu ritmo cardíaco continuava acelerado mas, desta vez, eu não estava triste, nem tão pouco pronta para chorar.

Desta vez, encontrava-me em frente a uma grande porta de arquitetura tradicional que, ao som da música se abriu lentamente e eu, no meu longo vestido branco, percorri o caminho até ao altar onde tu me esperavas com os teus olhos verdes e o sorriso maroto nos lábios. Soube no instante em que te dei a mão, que também tu estavas tomado de uma enorme ansiedade, mas é mesmo aí que se encontra toda a beleza do nosso amor.

E, enquanto esperávamos pelo “felizes para sempre”, eu não deixava de me lembrar das palavras que me sussurraste ao ouvido na nossa aldeia, no dia da tua partida - “Um dia, casar-me-ei contigo.” - sabendo que esse dia tinha, finalmente, chegado.

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