Serei Louro?
Voz aos Escritores
2022-05-20 às 06h00
Mês de Maio, mês de flores,
mês de Maria, mês dos amores.
Quando em Maio arrulha a perdiz, ano feliz.
Tomo estes provérbios como ponto de partida para uma breve conversa sobre o mês de maio, numa espécie de celebração da fertilidade e da abundância da natureza que nos presenteia. Serve, também, como alerta para a necessidade de a protegermos das mil e uma agressões que, nos dias de hoje, são cada vez mais intensas e constantes.
Comecemos, então, pelo primeiro dia de maio que, em certas regiões do Norte, o uso das flores maias nas entradas das casas, onde se deseja abundância e manter o azar e o infortúnio bem longe, continua vivo! Esta espécie de giesta espontânea encontra-se nos montes e nas bermas dos caminhos e diz-se que está ligada aos desejos de fertilidade e abundância como mostram os antigos provérbios sobre o assunto.
O começo do mês de maio é, assim, celebrado de várias formas, onde as flores giesteiras, que acabam de florir, e todas as outras flores do campo assumem um papel fundamental na manutenção da vida humana e da sustentabilidade do planeta. E porquê?
Não é de agora que se ouve dizer que a vida na Terra depende da polinização, nomeadamente da das abelhas. No entanto, devido às alterações climáticas, o problema agudizou-se. Mas o que se passa com as abelhas e porque são elas tão importantes? Sendo a sua função principal, ou a mais explorada, a da polinização, o seu papel neste processo é crucial, já que se descobriu que cerca de dois por cento das abelhas selvagens do planeta são responsáveis pela polinização de oitenta por cento das culturas mundiais. Isto significa que sem abelhas não haveria poemas tão saborosos como este de Eugénio de Andrade:
Pêssegos, pêras, laranjas,
morangos, cerejas, figos,
maçãs, melão, melancia,
ó música de meus sentidos,
deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas:
tangerina, tangerina.
O que significaria, então, a uma escala global, o desaparecimento das abelhas? Possivelmente, enormes dificuldades em produzir comida para toda a população do mundo. E se no dizer de Natália Correia serve para comer, não seria possível saboreá-la:
Num jardim cheio de abelhas
ainda as flores sorriam
dos beijos que recebiam
já outras nos embebeciam
da arte e da perfeição
do seu voo para a colmeia
na dança de polinização,
percursos de amor e mel
que a natureza incendeia!
E se em maio não arrulha a perdiz, o ano não pode mesmo ser feliz.
Poderá a perdiz arrulhar em campos de searas que não chegaram a nascer? Poderá o povo ser feliz se lhe roubaram o canto dos pássaros e o perfume dos girassóis? É esta realidade e outras realidades afins que fazem deste mês o mestre da inquietação, bem patentes nos poemas de um cantor, com o qual aprendi a inquietar-me, José Mário Branco. Cresci como pessoa, como mulher, com os ideais de liberdade e tolerância que ainda hoje mantenho e defendo ao sentir as mensagens das suas canções, a ler os seus poemas, a interpretar o alcance de cada verso, a emocionar-me com a sua voz. Dando sempre de si a outros artistas que, por sua vez, nos deram grandes momentos de aprendizagem e de crescimento democrático.
Inquietação é um desses poemas que nos impele a (in)quietar:
A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes
São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha
Cá dentro inquietação,
inquietação
É só inquietação, inquietação
Que nunca nos falte a inquietação de maio para que possamos beijar o chão florido, e que a terra ressequida, pela falta de amor, se torne aveludada como favos de mel e arados de serenidade e de paz.
Abram-se, agora, alicerces de alegria nas ruas e ruelas, e escacarem-se as portas dos castelos ao sonho e à fantasia.
Por fim, a madrugada.
Abro a janela e escuto um grito que se espreguiça para além do horizonte. É com esse grito que, hoje, beijo todas as flores de maio.
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