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Medos

Portugueses bacteriologicamente impuros

Medos

Escreve quem sabe

2021-12-28 às 06h00

Vítor Esperança Vítor Esperança

O medo faz parte da nossa vida, justamente porque ela é finita. Há uma reação de defesa natural e biológica ao desconhecido que nos pode surgir como ameaça. Algumas podem matar. Esta autoproteção é intrínseca a qualquer ser, desde os micro-organismos aos maiores predadores.
O vírus SARS-COV-2 transporta a doença e a hipótese de morte. Não sendo visível, nem detetado pelos nossos sentidos, damos por ele através das suas consequências, aceitando-as como a ele imputadas, ainda que as responsabilidades dos danos maiores sejam resultado de outras maleitas. Morre-se com vírus e, não de vírus. O vírus pode potenciar a doença grave sem escolher vítimas, apesar dos mais frágeis se posicionarem na linha da frente.
Mupicando-se em nós, transforma-nos simultaneamente em vítimas e agressores. Se como vítimas possamos ter determinada liberdade de escolha, como agressores não temos esse direito. Nem todos assim pensam. Os mais libertários julgam-se capazes de o enfrentar, apesar do resultado acabar por ser o mesmo quando atingidos - buscam a proteção clínica possível. O medo será comum. Uns sofrem com o receio de serem atingidos pela ação direta do vírus, resguardando-se. Outros não aguentam a suspensão das rotinas de vida, sobretudo se estas lhe reduzirem rendimentos e outras benesses, apesar de muitos se encontrarem numa situação limite de sobrevivência como cidadão. Muitos discordam das orientações de quem tem por obrigação cuidar do coletivo. Nem uns nem outros deixam de ter razão. Nem uns nem outros têm maior probabilidade de acertar.
Não gostamos de incertezas e tempos de instabilidade muito menos quando se trata de fazer pela vida (leia-se economia). Outrora rezava-se para que tais ameaças parassem, hoje voltamo-nos para a ciência. Porém, nenhuma faz milagres. Apesar dos bons resultados da ciência e da evolução dos tempos, o vírus continua a fazer danos e a ameaçar a nossa vida devido à sua capacidade de mutação. O medo continua.
As vacinas devolvem-nos a esperança. A vontade de regressarmos aos dias de ontem fazem o resto. Apesar dos avisos de cautela da ciência, sentimo-nos seguros, deixando os medos para os velhinhos e doentes de risco. Pior, ignoramos o resto do mundo, apesar de sabermos que o vírus viaja connosco e que vivemos hoje permanentemente num mundo global de contatos que ligam toda a humanidade. Regressam os danos, embora com consequências menores, mudando a graduação dos medos. A maioria encara os avisos de perigo como uma espécie de grito ignorado do Pedro a anunciar o lobo tal é a saturação da informação que nos entra em casa, sobretudo pela TV. As mortes, internamentos, contágios passam a dados estatísticos e não a resultados reais de danos na saúde. Entre o medo e a esperança, ousamos viver com o perigo. Como nas guerras, depressa nos habituamos às rotinas das ameaças, aceitando os danos como inevitáveis.
O vírus volta a surpreender, nova estripe com batismo grego. O crescimento exponencial da sua transmissibilidade coloca-nos a todos novamente em potências vítimas. Menos alarmados desejamos que a Pandemia se transforme numa Endemia com que nos habituaríamos a conviver. Engano, não é como uma gripe que leva alguns ao descanso em casa até que passe. Numa hipótese abstrata todos podemos ficar doentes num espaço curto de tempo. Tal hipótese a consumar-se levaria não só a paragem de quase toda a economia, designadamente quem diariamente nos dispõem alimentos de forma acessível, como deixaria de haver quem cuidasse dos mais fracos (pessoal da saúde), de quem zelasse pela nossa segurança. Ou seja, o princípio do caos.
Felizmente os governos de hoje estão mais atentos e tomam decisões sustentadas em informação técnica válida e em exemplos e experiencias de outros, não ignorando nem bons, nem maus exemplos, nem distinguindo formas de governança entre democracias ou ditaduras.
Perante uma ameaça única, a humanidade parece tomar iguais medos. O resultado não é todavia semelhante, porque vemos acentuar as desigualdades entre ricos e pobres. Entre quem vive de forma mais livre, ou oprimida. Entre quem tem lideranças esclarecidas, ou mentes menos brilhantes. Não somos, nunca fomos e dificilmente alguma vez seremos todos iguais.
Em tempos de guerra a organização é fundamental. Nessas alturas, nem todos têm os mesmos deveres e direitos. Dizem-me que os estados despóticos ganham vantagem, porque impõem comportamentos. Talvez. Mas, nenhum deles ganha á sensibilidade e experiência dos povos, fundamental na interajuda necessária á busca de alternativas, nem a quem dará privilegio ao senso coletivo na defesa de todos, por oposição a quem pensa mais nos ganhos individuais ou de pequeno grupo.
Costuma dizer-se que é nas dificuldades que se reconhecem os melhores. Mesmo não tendo tal certeza, sei que devemos ter o bom senso para admitir que quem tem maiores capacidades de agir e informação esclarecida para tomar as melhores decisões na oportunidade, o possa fazer.
Todos desejamos retomar a liberdade das ruas, do contacto social com os outros, em especial amigos e família, de tentar satisfazer as nossas necessidades e poder lutar pelos nossos desejos de bem-estar e de felicidade numa economia que se alimenta deste modo de vida, modelo que fomos construindo e melhorando, sem contudo o sabermos justo.
A unanimidade no pensar e no agir é perigoso, quando não sinal de mediocridade ou opressão, mas, em tempos onde o risco de sobrevivência possa ser colocado, devemos respeitar a nossa reação natural de defesa: o medo. Não aquele que tolhe, mas aquele que ajuda a procurar saídas minorando as consequências dos riscos. Aquele que nos coloca em alerta e aumenta a audácia necessária para fugir do perigo.
A liberdade de se fazer o que cada um entende ser a melhor opção, mesmo sem intensões de prejudicar o outro, não traz bons resultados em momentos de incerteza. Nestas alturas aconselham-se comportamentos assertivos a todos. Haja bom senso e não se armem em heróis.
Respeitem, no mínimo, o medo dos outros.

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