Um batizado especial
Ideias
2023-10-28 às 06h00
Talvez, em rigor e em função do contexto que vivemos, deva dizer-se entre os pingos dos estilhaços dos “rockets” ou então, simplesmente, entre as balas.
Mas a expressão popular (“escapar entre os pingos da chuva”), pretende significar um comportamento de equilibrismo, de permanente ausência de compromisso ou então, havendo uma disputa, de comprometimento com todas as partes envolvidas – e, portanto, com nenhuma!
O Secretário-Geral da ONU, o Engenheiro Guterres, tentou – e talvez também seja institucionalmente obrigado a fazer isso mesmo – esse jogo de equilibrismo, muito embora, com o intuito de “muscular” o seu apelo a um cessar-fogo imediato, entre Israel e o Hamas. Percebeu-se a intenção; concorda-se com ela. É o papel da ONU. E, na realidade, cada vez mais, em função dos sistemáticos bloqueios decisórios no Conselho de Segurança, face à impotência de o intergovernamentalismo superar as vontades particulares e nacionalistas dos Estados (dos atores, precisamente, desse intergovernamentalismo), o papel da ONU assemelha-se, cada vez mais, ao de uma organização unicamente humanitária. Perante conflitos disruptivos e violações graves do Direito Internacional, o que a ONU poderá realmente promover, será, cada vez mais, a logística e a implementação das ajudas humanitárias. Não se conseguindo evitar as ruturas entre Estados e os conflitos armados – coisa para a qual foi basicamente criada a ONU, depois da 2ª Grande Guerra – então, na lógica dessa Organização internacional, haverá que apanhar os destroços e minimizar o sofrimento das populações. Uma extensão – com legitimidade política internacional – do mandato da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.
Mas, na verdade, o que é que Guterres disse que inflamou Israel e suscitou um certo incómodo de grande parte dos Estados ocidentais? Nada de errado literalmente, porém, desastrado no sentido aparente e imediatamente transmitido. Realmente, nada justifica a inumana barbárie perpetrada pelo Hamas em 7 de outubro. No entanto, Guterres disse que o dito ato terrorista (aquela ação) “não caiu do nada”! Deixou no ar (no mínimo, sugeriu) que as reivindicações históricas palestinianas poderiam motivar (também justificando) a ação terrorista do Hamas. Permitiu, com aquelas declarações, que se pudesse insinuar uma relação causa-efeito entre, por um lado, a provação que os Palestinianos têm passado, nomeadamente por atos militares e de violação dos Direitos Humanos praticados por Israel e, por outro lado, o Hamas e a barbárie de 7 de outubro. Creio, juntando toda a informação disponível (que, de resto, tento filtrar) que tais situações de violação grave e de uma suposta asfixia (em função das respetivas pretensões) de certas faixas da população palestiniana, não serão tão intensamente sistemáticas, por parte de Israel, como se tenta dizer. Mas existem! Desde já, a política ilegal de ocupação de território na Cisjordânia, através da instalação de colunatos, é uma violação clara do Direito Internacional. Mas, em cidades israelitas como Haifa, por exemplo, também 40% da população é árabe/palestiniana. Israelitas árabes.
De todo o modo, voltando ao tema e ao contrário da discutida declaração de Guterres, o terror do Hamas caiu mesmo do nada! Como todos os atos de barbárie inumana, de terrorismo. Mesmo no plano das insinuações, nada o pode justificar. A História das provações palestinianas, assim como a origem do conflito (já nos idos anos 1920 do século passado e muito por culpa da gestão colonial ambígua e interesseira do denominado “mandato inglês”) nada tem a ver com o Hamas e com as ações terroristas deste grupo, nem as pode, ainda que ao de leve, legitimar. Principalmente, na ótica da ONU e do Direito Internacional! Sugerir-se, ainda que “en passant” (ou nem tanto!), o contrário, significa reduzir à insignificância a razão de ser e a missão (embora, como dissemos, cada vez mais humanitária e menos política) da própria ONU. Recorde-se, a Organização e a institucionalização da comunidade internacional por ela (ONU) promovida, tem como razão de ser existencial, precisa- mente, evitar, tal tipo de ações. Parte do pressuposto (pressuposto da nossa sobrevivência) de que qualquer conflito é ultrapassável diplomaticamente, no concerto dos Estados. Sugerir-se uma relação, ou mesmo uma mera correlação, entre a História e o eclodir de um ato de terrorismo (seja do Hamas ou de quem quer que seja) é negar a ONU. Mesmo em tempos difíceis, não convém que o próprio Secretário-Geral sugira (ainda que sem essa intenção, creio!) essa espécie de “morte” da sua própria Organização!
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