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Migrações II

Portugueses bacteriologicamente impuros

Migrações II

Escreve quem sabe

2024-01-23 às 06h00

Vítor Esperança Vítor Esperança

Na anterior crónica referi-me às migrações como uma prática ancestral, repetida ao longo do tempo da vida do Homem, maioritariamente em consequência da procura de locais que oferecessem melhores condições de vida. Referi-me também àquelas que, no seguimento dos movimentos que acompanhavam os exércitos na conquista de terras mais ricas para saque e ainda para coletar mão-de-obra barata ou escrava. Os conquistadores do milénio passado fizeram surgir as migrações forçadas de África para as Américas, como mão-de-obra escrava necessária ao cultivo intensivo na agricultura, sobretudo na da cana-de-açúcar.
Nesta crónica começo por recordar migrações mais recentes. Ainda na memória de muitos de nós, mais concretamente aquelas que surgiram em meados do século passado, quando foi necessário reconstruir a Europa, severamente destruída pela grande guerra, e muitos dos países destruídos por tão grande infortúnio viram-se com escassez de mão-de-obra para tal feito.
A grande maioria dessa necessidade foi satisfeita pela migração de muita gente proveniente de países mais pobres da Europa e também do Norte de África. Portugal viu sair milhares dos seus cidadãos, sobretudo para França, Alemanha, e países vizinhos. Esses migrantes foram ocupar essencialmente trabalhos de mão-de-obra pouco qualificada e mal paga, mais rudes e do tipo de operariado intensivo, reclamada essencialmente na agricultura, construção, fábricas e serviços domésticos. Os EUA e o Canadá registavam também um extraordinário crescimento para o qual contribuíram pessoas bem preparadas tecnicamente que fugiam de uma Europa em guerra, e da mão-de-obra menos qualificada proveniente do México e de outros países latino-americanos. A migração foi fundamental para o crescimento das maiores e mais ricas economias mundiais.
Hoje assistimos a dois tipos de migrações singulares: 1) As provenientes de grandes vagas de refugiados da miséria e das guerras regionais de países muito pobres e politicamente instáveis, que vêm sobretudo de África e do Oriente sobrepovoado; 2) As de quadros técnicos bem preparados dos países mais pobres para os mais ricos e de gente jovem muito classificada proveniente de diversos países em desenvolvimento que não conseguem oferecer futuro suficientemente garantido para todos os seus cidadãos.
Dos primeiros não se conhece suficientemente bem se conseguem integrar-se no mercado de trabalho, ou apenas beneficiam de programas de acolhimento provisórios, situações que têm vindo a provocar uma reação desfavorável de muita da população dos países recetores, por se sentirem ameaçados por provirem de culturas bastante diferentes das suas, sobretudo quando a estas estão associadas crenças religiosas agressivas à vida social local.
A suposta abertura do mundo à circulação de bens e de pessoas, com sonhos de maior liberdade de movimentos entre os diferentes países, numa multiculturalidade saudável e com horizontes democráticos, não está a acontecer. O que tem acontecido é o aumento das crispações políticas internacionais com crescimento dos conflitos regionais em zonas onde justamente se situam os países mais pobres e mal governados e onde aumenta o número de famintos e a gente sem futuro. Com as desigualdades a aumentar entre regiões e países, é natural e compreensível que as pessoas que vivem nesses locais de miséria e guerra, queiram procurar outros locais de vida com esperanças de melhor futuro. Isto é justamente a razão das migrações. Todavia não é possível aos países mais ricos e melhor governados receber toda essa gente, de um dia para o outro. A tudo isto se soma o que parece ser uma orientada fugida dirigida apenas para os países democráticos mais tolerantes, uma vez que existem outros países com economia em desenvolvimento, tão, ou mais ricos que os da Europa, que não se mostram recetivos a estes movimentos migratórios, dando-se uma imagem negativa a este tipo de migrações.
Os segundos são mais compreensíveis, já que seguem o vetor de orientação típica para as migrações - a busca de melhor vida - todavia, também têm vindo a ser referenciadas como indesejáveis: Para quem parte, essencialmente porque não sentem haver na sua terra oferta de trabalho que lhes garanta uma qualidade de vida aceitável e com bom futuro, sacrificando-se a abandonar os seus; Para quem recebe, sem pedir, porque sentem receio do crescimento visível e rápido de comunidades estrangeiras, que assim dão uma ideia que são mais, do que na realidade são. Este tipo de migração é nova e aparenta constituir-se como que um início de uma certa substituição de população que, apesar de não gerar conflitos culturais e religiosos como os primeiros, não deixa de causar incómodos a grandes franjas da população dos países recetores que vêm os seus melhores ser substituídos por pessoas menos qualificados, gerando-se assim uma espécie de progressiva mediocridade social, que favorece os baixos salários e afasta os melhores para fora, justamente aqueles que foram capacitados para criarem inovação e maior valor acrescentado ao seu próprio país.
Há uma particularidade politicamente muito importante nestes dois tipos de migração que abordei; ambas afetam direta e especificamente os países democratas. A perceção de que é facilitada a abertura excessiva aos outros por parte das Democracias europeias, origina o crescimento da xenofobia, que sempre existiu em qualquer povo que se sinta como uma comunidade distinta, situação que pode ser visível em pormenores tão simples como a aversão caseira existente entre bairros e terras vizinhas, ou nas simples querelas clubistas que assistimos semanalmente no futebol. Estas situações acontecem mais quando há desequilíbrios económicos e sociais, nomeadamente com o crescimento das desigualdades entre os muitos ricos e os outros (classe média), e aumenta o desemprego e as dificuldades entre os jovens.
Assim, e apesar de haver uma relativa necessidade de mão-de-obra jovem porque a Europa envelhece, há um sentimento de ameaça exterior que urge corrigir, antes que as Democracias se tornem mais sectárias e se fechem a nacionalismos perigosos. Ou as Democracias olham com atenção para estes novos movimentos migratórios, ou serão substituídos por profetas que não se envergonharão que lhes chamem xenófobos, ou racistas.

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