Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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Mistério ao luar, por António Cunha

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2011-07-01 às 06h00

Escritor Escritor

Era o Barbeiro que todas as semanas trazia e levava novidades; nascimentos, enterros, desavenças nas famílias aldeãs que sobreviviam das duras tarefas da lavoura.
Então ele ouvia, escutava, transmitia tudo ou quase tudo aquilo que lhe era narrado em cada casa.

Na casa do senhor Abelino, o Barbeiro passava todas as sextas-feiras antes do meio-dia.
Uma sexta-feira desabafou já um pouco nervoso, orelhas cheias de escutar e ouvir as desavenças dos aldeães.
-“Já sabe, senhor Abelino, os maus espíritos que andam por aí? Estamos perdidos... Eles vêm para nos fazer mal. Fulano, Beltrano, Sitrano e outros já têm medo de ir ao ribeiro tapar a água a noitinha, por causa de gritos que se ouvem no meio da noite... Pessoas contaram que viram vultos atravessar os terrenos, todo mundo tem medo!”

O senhor Abelino estava a considerar a gravidade do problema, já que é a água que tanto ajuda a erva a crescer nos campos, servindo esta de base alimentar aos animais domésticos.
Enquanto o senhor Manuel cortava a barba do senhor Abelino debaixo do coberto e ao frio, Neca, o filho do senhor Abelino escutava esta conversa que lhe pôs os cabelos em pé.
Ele procurou dar a novidade ao amigo Zé Carambola, mais novo um pouco.

Os dois puseram-se a migalhar coisas sem jeito, mas o medo os perseguia e a incerteza os enfeitiçava.
Quem poderia pensar então, que estes dois rapazes medrosos e tímidos poderiam ser protagonistas desta história!
Esperaram até a meia-noite, fazendo crer aos pais que dormiam para sair fugidos de casa.

A aventura ainda estava a começar, o coração estava a bater-lhes forte no peito enquanto atravessavam a casa na ponta dos pés. Saíram pela porta das traseiras, tendo em atenção não fazer barulho nenhum para não serem ouvidos.

O Neca tinha guardado a espingarda do pai, ele sabia que não a podia usar já que era antiga e de carregar pela boca, mas nada o podia deixar de crer que podia servir de defesa.
Uma vez fora, a lua cheia ajudou bastante os dois rapazes que se viram tomar asas para voar, e o empolgamento de desvendar este mistério afugentou o medo por uns momentos.

O Neca com a espingarda às costas e o Zé Carambola com o seu cajado de pastorinho na mão, na noite fria de luar, aí vão os dois rapazes. Heróis não eram, mas sim com medo.
Deviam dar a volta ao monte para passar pelos lugares onde se desconfiava da presença do Espírito, com o medo de serem perseguidos, ou pior.

Nem Abelino nem o Barbeiro podiam suspeitar desta aventura juvenil. Porquê?... Os caminhos não eram certos ou confortáveis mesmo em noite de luar.
Os aventureiros prosseguiam debaixo da sombra das árvores, que criava no chão formas fantasmagóricas, e ouvia-se os barulhos da vida nocturna, mas nada que se assemelhasse ao grito de um animal mágico.
O Neca teve então a ideia de imitar o som do famoso Espírito...

Ele emitiu uns gritos irritados em toda volta do monte, passando pelos terrenos dos moradores que já deviam estar a acordar com os cães de guarda a ladrar, e até umas luzes de lanternas se acenderam ao longe, mas o medo era tão grande que ninguém queria se aventurar fora de casa.

Os dois rapazes apressaram o passo com o receio de serem desvendados. Passaram perto da grande peneda da Penaseiras, contornaram o monte pelo norte, soltando uns gritos de vez em quando. Uma vez sentiram uma sombra passar bem pertinho deles, ouviram como que asas aveludadas a bater, mas já estavam debaixo das árvores e, seja lá o que for que passou por eles, foi embora logo e não os assustou mais que uma ave nocturna.

Agora o caminho era mas simples, já estavam a chegar perto de casa, os caminhos eram mais seguros e sobretudo mais conhecidos.
Enfim, pouco antes do romper do dia, cansados de terem corrido o monte inteiro, os rapazes entraram bem devagar dentro de casa onde os pais ainda dor- miam, e deitaram-se em silêncio, orgulhosos por terem ultrapassado o medo.

No dia seguinte a aldeia acordou atormentada. Os vizinhos iam de casa em casa e comentavam os acontecimentos da noite. Todos tinham a certeza que essa dita coisa má bateu as portas, andou por cima dos telhados, subiu os pátios, todos tinham uma história diferente para contar.
Como o monte não era muito grande, não demorou muito tempo para os pastores das aldeias vizinhas acrescentarem mais testemunhas de sombras voadoras que atormentaram os lavradores.

O Neca e o Zé Carambola tinham seguido os adultos, ansiosos para ouvir o que se dizia, e para ver se tinham conseguido enganar o povo todo. Então o Neca pediu licença para falar.
Ele afirmou que foi ele o autor dos gritos, que ele e o Zé queriam desvendar esse mistério.
Ele disse aos moradores para dormirem sossegados, para retomarem a rotina do labor nos campos, que não havia razão para ter medo de algo que não existia.

Ficou sem se saber se o Espírito Águia desapareceu por causa do medo dos gritos dos dois rapazes nessa noite, o certo é que ele nunca mais foi ouvido na região, e as aldeias retornaram à sua tranquilidade.

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