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Mudar para ficar igual…

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Mudar para ficar igual…

Escreve quem sabe

2020-11-02 às 06h00

Filipe Fontes Filipe Fontes

“A vida é o que nos acontece
enquanto fazemos planos”
Citação livre de Allen Sanders, 1957

Num tempo de mudança e de incerteza, “falar” do tempo, e da sua importância e influência no desenvolvimento e resposta dos e aos acontecimentos, é tão recorrente quanto fatal, já que, mesmo sem expressão física e visual, é factor incontornável e inevitável de confronto e superação.
Ao contrário do que tanto aparenta, o tempo não é uma fatalidade que existe para ser superada e abreviada, consumida e antecipada, antes (e fundamentalmente) é preparação e acomodação. É oportunidade de melhor lermos o que ocorre, melhor nos equiparmos para responder e melhor nos habilitarmos a rentabilizar o dia de amanhã, seja por força da eliminação / mitigação das fraquezas, seja pela optimização e rentabilização das potencialidades.
Vivendo-se, hoje, “a mudança como única permanência e a incerteza como única certeza” (Zygmunt Bauman, 2000), percepcionar o tempo e a sua relevância para a vida, distinguir e complementar o antes, o durante e o depois, consagrar mecanismos de preparação e resposta, de superação e adaptação à dinâmica temporal e a surpresa da mudança, não em si mesmo (já ninguém se surpreende com a mudança) mas em função da sua natureza, dimensão e consequência directa, é factor que nos deve, a todos, distinguir e favorecer.

A este nível, o tempo é paradigmático: descobrimos agora que a possibilidade de uma pandemia nos tempos passados próximos não se encontrava tão distante assim dos canais políticos, analíticos, científicos e reflexivos (os afamados “think tanks”) presentes no mundo. Descobrimos agora que não nos encontrávamos preparados para tão abrangente pandemia, feita de um vírus de comportamento e desempenho tão estranho quanto difícil de compreender e qualificar. Descobrimos agora, apesar de tudo, que poderíamos estar melhor preparados, mais robustecidos e melhor armados (no bom sentido do termo). Passamos o tempo a desvalorizar o que não é momento e imediato, a desconsiderar o que é possibilidade remota e aviso prudente e, depois, lamentamo-nos não termos sido capazes de “ver mais além…”. E descobrimos que tantas, tantas vezes, como canta (citado livremente) Sérgio Godinho “tudo mudou para que tudo ficasse igual”.

O campo do urbanismo, delimitado à realidade portuguesa, é disso exemplo evidente, demonstrando que, ciclicamente, tudo muda para, no fim, a conclusão ser invariavelmente repetida: tudo fica igual.
O processo de adaptação, ou revisão (como tantos chamam, talvez, para disfarçar a debilidade do processo ou a sua interrogação de sentido e coerência), dos planos directores municipais (PDM) que, actualmente, se encontra em curso em múltiplos municípios (e que, genericamente, pressupõe a adaptação e ajustamento dos PDM à legislação em vigor) já de si, situação bizarra e de difícil compreensão, porque constatação de que tantos planos de arrastaram no tempo de tal forma que atravessaram diferentes administrações municipais (de ideias e intenções tão distintas), diferentes realidades económicas e sociais mas, sobretudo, diferente e díspar legislação, é exemplo maior do que, em nome da mudança do “paradigma conceptual” da classificação do solo e sua categorização em dois polos opostos (solo urbano e solo rústico, numa reinterpretação do anterior “solo rural”), da eliminação da possibilidade, da dúvida e da hipótese (de forma simplificada, o chamado “solo urbanizável”), do medo e da desconfiança da gestão urbanística enquanto nível administrativo e de administração municipal que não resiste à pressão e aos interesses, se impõe para a caracterização do território num quadro pictórico de “preto ou branco”, “positivo ou negativo”, “sim ou não”, descurando a multiplicidade de matizes e nuances que o território guarda e visibiliza. Aliás, de que grandemente maioritário é feito o território.

Não se compreende como se reclama a agilização e flexibilidade dos PDM enquanto melhor resposta às mudanças e dinâmicas que se verificam, não se entende como se critica o desajustamento da escala de trabalho e apresentação dos mesmos planos com as exigências operativas da gestão diária do território, não se aceita que o carácter dito estratégico e orientador dos PDM seja transformado em instrumento e ferramenta de trabalho diário e, depois, nada se faz e transforma, antes se introduz mudança de nomenclatura, relocalizam-se e reposicionam-se as regras para, no fim, ficar tudo igual; para, no fim, num tom mais pessimista, não escrever “tudo ficar pior”.
No caso, e no contexto em que são elaborados e produzidos, os PDM já são planos de complexa procura de clareza, actualidade e flexibilidade, já são planos difíceis de dominar no seu conhecimento do território e das comunidades que neste habitam. E, como tal, exigia-se que se caminhasse para a sua clarificação conceptual e disciplinar, complementaridade instrumental, para o seu melhor mecanismo de flexibilidade e adaptabilidade e a sua exigência de transparência, coerência e fiscalização. Exigia-se por constatação e convicção. Mas, fica-se e arrisca-se a escrever, sempre, pela intenção, pelo que deveria ser e há-de ser… Entretanto, o tempo vai passando, a mudança vai ganhando lastro, o território vai-se transformando, as regras vão-se densificando em complexidade e quantidade para, no fim, aparentemente, tudo ter mudado e ficar igual. Entretanto, as coisas vão acontecendo, mudando, virando e revirando, retorcendo e avançando enquanto se fazem planos. Resta perguntar para quê e porquê?

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