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Mulheres enclausuradas em Braga: a memória invisibilizada das Convertidas no século XVIII

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Mulheres enclausuradas em Braga: a memória invisibilizada das Convertidas no século XVIII

Escreve quem sabe

2025-03-15 às 06h00

Palmira Brandão Palmira Brandão

A cidade de Braga, com a sua rica herança histórica que remonta à época romana, é um mosaico de narrativas que moldaram não apenas a região, mas também a identidade coletiva do país. O "Ciclo Braga Memória …" tem sido um espaço fundamental para a divulgação e valorização de diferentes aspetos da história local. Nesta edição, o foco recaiu sobre um tema frequentemente marginalizado nos relatos históricos: a reclusão das mulheres bracarenses no século XVIII e o impacto dessas práticas na sua vivência quotidiana.
A conferência "Quotidianos femininos dentro de muros: as convertidas de Braga no século XVIII", proferida pela historiadora Doutora Marta Lobo, abriu uma janela para um passado de silêncio e resistência. Durante séculos, a vida de muitas mulheres esteve confinada a estruturas de reclusão e controlo, onde conventos e recolhimentos funcionavam não apenas como espaços de devoção, mas também como instrumentos de imposição de códigos de conduta rigorosos. Este fenómeno refletia a forte influência da Igreja e das elites locais, que determinavam os destinos das mulheres com base em princípios morais e sociais rígidos.

O contexto das Convertidas em Braga

As chamadas "convertidas" eram mulheres que, por diversos motivos, eram levadas a habitar esses espaços fechados. Muitas vezes, tratava-se de jovens forçadas ao recolhimento por suas famílias, seja para evitar casamentos indesejados, seja para preservar a "honra" familiar. Em Braga, instituições como os Recolhimentos de Santa Maria Madalena e São Gonçalo desempenharam esse papel de enclausuramento feminino, estabelecendo regras estritas e limitando o contacto com o mundo exterior.
Segundo Marta Lobo, "estas mulheres não eram meras espetadoras passivas do seu destino. Apesar do ambiente de controlo, desenvolviam redes de solidariedade e encontravam formas subtis de resistência ao poder patriarcal" (Lobo, 2024). Pequenos gestos, como correspondências clandestinas, orações coletivas e alianças discretas entre as internas, mostram que, mesmo em condições adversas, havia espaço para estratégias de autonomia. Algumas dessas mulheres, oriundas da elite local, ainda mantinham algum acesso a recursos que lhes permitiam negociar pequenas melhorias no seu quotidiano.
O quotidiano dentro destes espaços era marcado por rotinas rígidas, onde o trabalho manual, a oração e a introspeção eram impostos como forma de disciplina. Para muitas, a clausura não representava um chamamento religioso, mas antes uma imposição social que as afastava das suas famílias e aspirações pessoais. Algumas encontravam refúgio na escrita de diários e na partilha de histórias entre si, criando um sentido de comunidade que contrastava com a opressão do ambiente.

Revisitar o passado com um olhar inclusivo

A relevância de revisitar essas histórias ganha ainda mais destaque no contexto do Dia Internacional da Mulher, celebrado em março. Dar visibilidade às mulheres esquecidas nos registos históricos é um passo essencial para uma memória coletiva mais justa e plural. Como lembra a historiadora, "a história de Braga não pode ser contada apenas através dos seus monumentos e figuras eclesiásticas. É essencial dar voz às mulheres que, por séculos, tiveram as suas trajetórias apagadas" (Lobo, 2024).
O "Ciclo Braga Memória #12" reforça o compromisso com a divulgação da história local, garantindo que esses testemunhos não fiquem nas gavetas. Se a Revolução de 25 de Abril de 1974 representou um marco na conquista de direitos para as mulheres, os desafios ainda persistem. Questões como a desigualdade salarial, a violência de género e a sub-representação feminina em espaços de decisão continuam a exigir atenção e ação.
A reflexão sobre o papel das convertidas e das mulheres enclausuradas em Braga insere-se num debate mais amplo sobre o controlo dos corpos femininos ao longo da história. A persistência de desigualdades na atualidade demonstra que estas discussões continuam a ser pertinentes. Se no passado a clausura feminina era imposta através de conventos e recolhimentos, hoje, as mulheres enfrentam outras formas de limitação, como barreiras profissionais, falta de representatividade e violência estrutural.

O desafio da igualdade de género

A memória histórica precisa ser acessível a todos e escrita de forma inclusiva. O estudo sobre as convertidas de Braga traz um lembrete poderoso: mesmo diante da opressão, sempre houve resistência. Cada conquista feminina, tanto na cidade como no país, é fruto de um longo processo de luta por reconhecimento e liberdade.
As vitórias das mulheres são conquistas coletivas, e o caminho para um futuro mais igualitário continua. Como cidadãos, temos a responsabilidade de garantir que a história de Braga – e de Portugal – seja contada com justiça, sem esquecer aqueles que, por tanto tempo, foram silenciados. Conhecer e divulgar essas narrativas não é apenas um exercício de memória, mas um ato de justiça histórica e social.

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