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Musketeiro e Pan-político digital

Os perigos do consumo impulsivo na compra de um automóvel

Musketeiro e Pan-político digital

Ideias

2025-01-07 às 06h00

João Marques João Marques

Com a eleição de Donald Trump nos EUA, a maré das democracias liberais parece estar a consolidar uma mudança que se fixa na desconstrução do paradigma estratificado na noção de que os poderes se controlam afastando-se.
Ao longo da sua primeira presidência, Trump (des)fez tudo o que pôde da sacralidade da separação entre o poder executivo e o poder legislativo, desrespeitou os cânones seculares contrários a lógicas nepotistas e conseguiu confundir as instituições com as pessoas que os exercem. Tudo num exercício iliberal e próximo da iconofilia típica de um regime ditatorial.
Não cedo ao facilitismo de o considerar como um ditador ou um ser antidemocrático, mas seguramente que, se lhe for dado a escolher entre o poder e a democracia, a decisão será lesta e torpe.
Na antecâmara da sequela do filme trágico-cómico que foi a sua primeira presidência, a estrela mediática regressa aos palcos mundiais acompanhado de uma outra que ameaça ofuscá-lo e, de caminho, eclipsar o mundo político como o conhecemos.
Musk, Elon Musk foi, desde os últimos anos, inicialmente de modo mais envergonhado e, mais recentemente, com desabrido entusiasmo, um dos mais reconhecidos e reconhecíveis apoiantes de Trump.
Nele verá um potencial regresso das causas e propósitos que os mais cínicos ligam aos seus interesses económicos e pessoais, enquanto outros justificam esta deriva com circunstâncias pessoais e traumas familiares que o levaram a decretar uma intifada ao wokismo.
E independentemente do acerto da guerra santa ou despropósito da causa, o que me importa assinalar em toda esta fanfarra carnavalesca é a inusitada situação em que nos encontramos, em que Musk ofusca Trump não no campo do seu (supostamente) primário americanismo, mas antes pela punção universalista que tem desfilado no seu quintal digital.
A rede social X, outrora Twitter, onde ainda estranhamente se continua a tuítar, serve de plataforma de amplificação universal de uma mensagem que Musk não quer circunscrever ao seu país adotivo (tendo ele nascido na África do Sul).
Depois de ter aproveitado os milhões de utilizadores do X para revelar o advento do Trumpismo, Musk vira-se agora para o mundo.
E, como se cumprindo o mandamento lírico que Leonard Cohen forjou, “first we take Manhattan, then we take Berlin”, Musk pulou o Atlântico e aterrou em plenas eleições alemãs para, após decapitar politicamente o Primeiro-Ministro inglês, declarar o seu apoio à AfD.
O partido de extrema-direita que quer que a Alemanha abandone a União Europeia e renovar a crença numa Europa de Pátrias e não de países interligados.
O partido de gente assumidamente próxima do nazismo e que seria vista como um abcesso histórico, coberto do ridículo da ignorância, não fosse o tempo em que vivemos.
Neste tempo, o tempo em que a lentidão das respostas políticas tradicionais parece incomparavelmente pior à luz da simplicidade e imediatismo dos TikToks e tuítes de três linhas, torna-se especialmente perigosa a ascenção de poderes fáticos que baseiam a sua razão no império da opinião.
Não há mal em ter uma opinião, pelo contrário. O mal é tê-la fundada em parcelas de informação difusas e sem verificação.
A degenerescência dos média acompanha a erosão das instituições e a verdade e a mentira já não são sindicadas à luz da razão, do saber e do lentamente criado e absorvido conhecimento. Hoje, apesar da informação viajar à velocidade da luz, as ideias nunca estiveram tão encobertas pela penumbra.
Musk não é a causa, mas o sintoma do que nunca antes tínhamos visto. A plutocracia virou digital e cabe a quem tem os meios para estabelecer as premissas de qualquer discussão planetária, fixar a verdade formal, tenha ela ou não adesão à verdade dos factos.
Musk apresenta-se como justiceiro, como juiz e executor dos seus próprios mandamentos, criando o lamaçal onde toda a esperança vai morrer. Porque não haja dúvida nenhuma, a povidencial crença no providencial Homem só pode gerar a mais miserável descrença na humanidade.
Esta espécie de mosqueteiro dos dias modernos quer que todos os que critica apareçam aos olhos do povo como “Richilieus” encartados, seguro de que quem não o acompanhar, não seguirá na trend, não beneficiará de hashtag, nem recolherá o proverbial “like”, que é como quem diz o voto dos tempos modernos.
Nunca como hoje foi simultaneamente tão fácil falar e difícil ser ouvido. E nesse paradoxo insuperável dificilmente prospera quem se acobarda ou transige perante o poder medido em bits e bytes.
Os políticos tradicionais terão falhado e cometido erros indesculpáveis nas últimas décadas, mas nenhum será tão radicalmente grave quanto o de soçobrar perante a democracia de faz de conta.
É preciso inteligência na mesma medida em que é urgente promover ação. O verdadeiro desafio dos novos políticos não é patetizarem-se nas redes sociais como fazem os mais bacocos extremistas. O difícil é manterem-se adultos no parque infantil em que se ameaça tornar a arena política global.

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