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Nem burros, nem bots

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Nem burros, nem bots

Ideias

2024-12-12 às 06h00

Bruno Gonçalves Bruno Gonçalves

Foi ainda durante a disputa eleitoral de Barack Obama pela Presidência dos EUA (em 2008, contra John McCain) que as redes sociais foram, pela primeira vez, amplamente reconhecidas como fator relevante numa eleição. Na altura, essa experiência foi vista não só como uma aposta ganha e uma valiosa antecipação do Partido Democrata às tendências do futuro, mas também - seja pela popularidade geral do ex-Presidente americano, seja pelo caráter mais benevolente do conteúdo publicado - deu aso a vários elogios sobre o potencial das redes sociais em facilitar uma abordagem política mais próxima das pessoas, que lhes dava mais voz e espaço.
Hoje, ninguém nega que existe um antes e depois das redes sociais. Contudo, a visão amigável sobre o seu papel nos sistemas democráticos (praticamente) já desapareceu.
O caso mais recente na Roménia, onde o Tribunal Constitucional anulou a primeira ronda das eleições Presidenciais, demonstra que existem motivos reais para preocupação e uma necessidade de agir. Ficou comprovada a interferência externa neste processo eleitoral por manipulação da rede TikTok, numa manobra coordenada e patrocinada pela Rússia: esquemas para contornar os mecanismos de segurança das plataformas, criação em massa de bots (perfis falsos, que não correspondem a ninguém) para espalhar comentários anónimos e influenciar a opinião pública, pagamentos obscuros a ‘influencers’ para promover conteúdos escolhidos a dedo.
O resultado? Foram mais de 50 milhões de visualizações, num período de apenas quatro dias, para o conteúdo digital de C?lin Georgescu no TikTok, culminando na sua inesperada vitória e passagem à segunda volta das eleições Presidenciais. Candidato que, certamente não por coincidência, está ideologicamente próximo dos interesses do Kremlin e até elogiou Putin, descrevendo-o como “um Homem que ama o seu país”. Georgescu propõe um afastamento da Roménia da União Europeia e da NATO, defendendo uma visão isolacionista para o país e um regresso aos modelos económicos soberanistas de (praticamente) autarcia alimentar.
Vladimir Putin já percebeu que, neste seu projeto de recuperar relevância geopolítica para a Rússia, a extrema-direita europeia é a sua principal aliada. As visões soberanistas de Georgescu, do Chega ou de partidos semelhantes, espalhados pelo resto da União Europeia, ofere- cem de bandeja ao ditador russo aquilo que quer: uma Europa fragmentada e mais frágil, mais vulnerável a influência externa, em constante clima de tensão. A Rússia não tem a mínima hipótese de se comparar com 27 Estados-membros unidos...mas Putin sabe que pode fazer frente e desafiar cada um deles, individualmente. É precisamente essa a sua estratégia.
Em risco ficam a robustez das nossas democracias e a estabilidade do projeto europeu. São motivos suficientes para justificar uma ação decidida e proporcional sobre o funcionamento das redes sociais, preservando a liberdade dos utilizadores, ao mesmo tempo que se enfatiza responsabilidade das próprias plataformas. Estas duas variáveis são frequentemente vistas como concorrentes, só que, na verdade, podem e devem ser compatibilizadas nas regras definidas para as redes sociais. A resposta raramente está no preto ou no branco, mas sim nas inúmeras tonalidades de cinzento que existem entre eles.
Creio que a grande maioria concordará quanto alguns princípios orientadores para que as redes sociais sejam um instrumento da democracia e não que a instrumentalizem. Eis alguns:
Não podemos tornar estas plataformas e os seus administradores nos guardiões da liberdade da expressão, permitindo uma triagem politizada das opiniões (confiamos em Elon Musk para tal?), mas há conteúdo ilegal que tem de ser removido, desde fraudes a violência sexual. Os algoritmos têm de ser mais transparentes e não recompensar o conteúdo polémico, divisivo e pouco fidedigno. As redes sociais não podem assistir de forma impávida enquanto milhões de perfis falsos deturpam a opinião pública, elevando artifi- cialmente a popularidade de alguns conteúdos, sobretudo quando estas dinâmicas resultam de interferência deliberada de agentes estrangeiros.
A União Europeia foi pioneira nesta matéria, através da Lei dos Serviços Digitais (DSA), estabelecendo responsabilidades em linha com as premissas que acabei de partilhar. Foi à luz deste regulamento e depois da interferência russa nas eleições da Roménia, que os dirigentes do TikTok foram chamados a depor no Parlamento Europeu. Tive a oportunidade de participar nesta audição, que procurou clarificar se a plataforma cumpriu ou não com aquilo a que estava obrigada. Conclusão: os responsáveis do TikTok não foram convincentes e, na maior parte do tempo, procuraram escudar-se em respostas vagas.
Atualmente, as redes sociais funcionam como um dos principais veículos de informação para milhões de cidadãos. É ali que recebem as notícias, que consultam opiniões e que, depois de formulada, partilham a sua própria. Que este processo tenha sido tomado de assalto por países terceiros, com intenções obscuras e obrigando até que um Estado-membro seja forçado a repetir um ato eleitoral, não é aceitável. Assim, suscita-se a necessidade de debater que mecanismos defensivos adicionais é que a União Europeia (e que todas as democracias) podem adotar para evitar a interferência de países terceiros. Em última instância, decidir se faz sentido que uma plataforma conivente com os objetivos de Putin possa sequer operar no território europeu.
Nada disto iliba, na minha opinião, os partidos tradicionais de se atualizarem e de adotarem uma comunicação mais limpa, humana e autêntica, conectando-se mais e melhor com os cidadãos. Há uma diferença entre a comunicação intermediada por meios de comunicação tradicionais e o ambiente mais pessoal que as redes sociais permitem desenvolver. Saber utilizar ambos os espaços é uma competência fundamental no Mundo de hoje e um esforço obrigatório para os políticos moderados, sob pena de (na sua ausência) se entregar o monopólio discursivo aos populistas em bolsas da esfera digital.
Na certeza, porém, que a despolarização e reforço da confiança na democracia e nas suas instituições não dependerá apenas disso - mas também de coragem na dimensão legislativa, chamando estas plataformas a responder pelas suas falhas e responsabilizando-as em conformidade. O tempo da ingenuidade já passou.

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