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Nem uma vítima mais

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Nem uma vítima mais

Ideias

2019-09-23 às 06h00

Pedro Morgado Pedro Morgado

Gabriela Monteiro foi assassinada pelo ex-companheiro no passado dia 18 de setembro em Braga. O crime hediondo foi o vigésimo primeiro femicídio em contexto de violência doméstica cometido em Portugal desde o início do ano.
A consternação e a revolta de familiares, amigos, colegas de trabalho e outros membros da nossa comunidade levou várias centenas de pessoas à porta do Theatro Circo onde Gabriela trabalhava para lhe prestarem homenagem numa vigília emocionada em que exigiu “nem uma vítima mais”. Por muito que nos custe, a verdade é que, enquanto sociedade, ainda não fizemos o suficiente para o evitar. E continua quase tudo por fazer: do sistema educativo aos serviços de saúde, do sistema judicial aos sistemas de proteção social, dos órgãos de comunicação social às forças de segurança, as desigualdades entre mulheres e homens perpetuam-se ano após ano e os números da violência de género não dão sinais de abrandamento.

O machismo é o denominador comum de todos estes crimes. A desigualdade entre homens e mulheres continua a dilacerar a nossa sociedade: as mulheres ganham menos por idênticas funções, as mulheres têm, em regra, mais responsabilidades familiares, as mulheres são mais vezes dependentes financeiramente, as mulheres ainda têm o acesso vedado aos cargos dirigentes de algumas instituições com relevância social, as mulheres são frequentemente vítimas de preconceito e de violência.

A mudança necessária é estrutural. E tem que começar pelo combate quotidiano ao machismo, esse monstro que corrói a coesão da nossa sociedade e é responsável por tantas vítimas no nosso país.
O machismo começa no nascimento quando são atribuídos direitos e, consequentemente, obrigações diferentes às mães e aos pais. Quando teremos direitos e deveres iguais e obrigatórios para ambos os progenitores?
O machismo aprende-se desde os primeiros anos de vida quando as tarefas domésticas são desigualmente divididas entre os membros do casal, quando se comenta a fragilidade como algo feminino, quando se censuram os gostos de rapazes e raparigas como algo pertencente a outro género, quando se chama “galdéria” à mulher que sai à noite e “garanhão” ao homem que se diverte, quando os pais se ofendem na frente dos filhos, quando se difunde o ódio e a intolerância em relação a quem é diferente de nós, quando se proferem insultos homofóbicos contra o jogador da equipa adversária ou quando se hostiliza uma mulher que foi vítima de assédio sexual.
O machismo estrutura-se quando continuamos a expor os nossos adolescentes a afirmações tóxicas da masculinidade capazes de lhes gerar inseguranças tão fortes que a violência surge como uma compensação normalizada da sua própria fragilidade, do insucesso, do fracasso e da contrariedade.

O machismo perpetua-se quando os jornais escrevem que a pessoa X cobiçou a mulher que pertence à pessoa Y. Quando os programas de lixo televisivo promovem o estereótipo e o preconceito como algo normal enquanto ofendem e ridicularizam quem expõe a sua perversidade.
Precisamos que os nossos adolescentes desenvolvam a sua autonomia num contexto seguro, livre de estereótipos nocivos e preconceitos irracionais, orientado para a aceitação e assente no respeito mútuo. Precisamos que todos saibam que “ninguém é dono de ninguém”. Precisamos que todos respeitem que “um não é não”. Precisamos que todos aprendam a aceitar a perda e a lidar com mais naturalidade com as frustrações normais que os relacionamentos afetivos podem gerar. Precisamos de homens e mulheres que digam “não” e de homens e mulheres que saibam respeitar um “não”.

Precisamos que as igrejas cristãs (católicas e evangélicas) promovam a igualdade e abandonem os discursos contraditórios contra um feminismo que não mata ninguém para se concentrarem na construção de uma sociedade que rejeita todas as expressões de machismo.
Precisamos que os clubes rejeitem o machismo e a homofobia que se ouvem e leem quotidianamente nos jogos e fóruns de futebol. Como é que o Sporting Clube de Braga e o Vitória Sport Clube ainda não fizeram nada visível para acabar com isto?

Precisamos que a sociedade reflita sobre a existência de instituições que mantêm um veto à participação das mulheres nos seus cargos dirigentes. Que mensagem querem transmitir à sociedade quando o fazem? Porque é que os homens que as dirigem são tão relutantes a mudar esse tremendo equívoco histórico?
Precisamos de um Estado que promova ativamente a igualdade em todas as suas instituições, seja do ponto de vista legislativo seja na formação dos seus quadros. Precisamos de um governo que faça sem ambiguidades tudo o que é necessário para salvar as vidas destas mulheres.
Este texto não é sobre o caso de Gabriela Monteiro. É dedicado à sua memória na esperança de que a sociedade e as instituições de Braga, do Minho e de Portugal não se esqueçam de fazer tudo o que é necessário para que não tenhamos nem uma vítima mais.

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