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No dia em que Camões desceu à praça

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No dia em que Camões desceu à praça

Voz às Escolas

2025-06-12 às 06h00

Ângelo Miguel Pereira Dias Ângelo Miguel Pereira Dias

Há datas que ficam para lá do calendário. Momentos que, por força da sua beleza e verdade, transcendem o tempo e se transformam em memória coletiva. Foi o que aconteceu a 7 de junho de 2025, quando a vila da Póvoa de Lanhoso parou para homenagear, com orgulho e criatividade, os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões. E não o fez de forma tímida ou cerimonial, fê-lo com alma, cor, dedicação, numa Feira Quinhentista que ficará gravada nos corações de todos quantos a viveram.
Sob a égide do Plano Cultural de Escola do Agrupamento de Escolas da Póvoa de Lanhoso, no âmbito do Plano Nacional das Artes, a Praça Engenheiro Armando Rodrigues renasceu. De espaço de passagem tornou-se palco de um tempo reencontrado. As ruas foram povoadas por mercadores, taberneiros, artesãos, jograis, dançarinos, camponeses, nobres, mendigos e leprosos. E ainda, por duas cavaleiras que abriram o cortejo real.
Desde cedo se sentia no ar algo diferente. Os cheiros antigos do pão nos fornos a lenha, cedidos pelas famílias, do fumo, dos caldos e das especiarias, misturavam-se com a música, os risos e os sons de bombos. A falcoaria, arte nobre, encantava os olhares com aves em pleno voo, despertando o espanto em pequenos e graúdos.
Subiram ao palco os alunos para questionar: Quem é Camões? E a resposta foi dada não com frases feitas, mas com poesia, representação e emoção. Seguiram-se as Valquírias e os Ardinas, numa simbiose perfeita entre música e teatro, tradição e juventude. Vieram também Gil Vicente, danças renascentistas, jogos tradicionais, entrevistas históricas, e uma sequência de representações e atividades que preencheram o dia com saber e prazer, fazendo Camões exclamar: “Arte minha gentil, que renasceste!”
Ao longo da feira, cada recanto revelava um mundo: o curral de animais, emprestados pelas famílias e criado pelos técnicos do município; o ateliê de olaria, as oficinas do ferreiro e do pedreiro; as barracas com plantas aromáticas; as barracas dinamizadas pelas turmas com as famílias e diretores de turma ou pelas assistentes operacionais e associações; as exposições de espanta-espíritos e de instrumentos musicais, feitos pelos mais pequenos e famílias. O povo, alunos, pais, assistentes e professores, estavam por todo o lado: a participar, a recriar, a viver.
Mas nada disto teria sido possível sem um tecido invisível feito de colaboração verdadeira. Famílias, alunos, professores, assistentes operacionais, técnicos, autarcas, empresas, associações — todos contribuíram.
A Câmara Municipal respondeu com prontidão, colocando ao dispor todos os meios necessários, desde a logística até ao apoio institucional. Também as Juntas de Freguesia aceitaram o desafio com entusiasmo: dinamizaram ofícios antigos, ofereceram sandes de porco no espeto e caldos no pote, cederam trajes e ajudaram a transformar o espaço da feira num verdadeiro cenário quinhentista com os diversos artistas que foram contratados.
E porque nenhuma comunidade se constrói sem os seus artífices, importa nomear com gratidão todas as empresas que disseram “sim” a este sonho:
Empresas locais tiveram um papel crucial: a Baptista & Soares, que ofereceu uma máquina de costura, tecidos e materiais de costura; a TACO- Têxteis e Confeções, que contribuiu com outra máquina e mais materiais; a Cortedarl Unipessoal Lda., que fez o corte das peças; a Granitos Sanfão, que cedeu pedra para recriação de profissões antigas; a Pastelaria Doce Convívio, que forneceu pão com chouriço e ajudou a Associação de Estudantes a dinamizar uma barraca com bebidas; o Horto Girassol, que cedeu plantas aromáticas, e a empresa RF BAU, que disponibilizou uma carrinha fundamental para a logística do evento.
Não faltaram também as associações e movimentos locais: o Grupo Cénico Povoense trouxe o arauto e a palavra; a Catequese da Freguesia de Taíde e a Casa do Trabalho de Fontarcada enriqueceram o espaço com as suas barracas; o grupo de percussão “Bombadela – de Vilela” fez ecoar o som da festa; o núcleo de Escuteiros da Póvoa de Lanhoso dinamizou os jogos tradicionais. E ainda houve espaço para um amigo da escola, guardião de um valioso espólio de jogos antigos, que os partilhou com os alunos do 7.º ano num convívio intergeracional exemplar.
Especial destaque ao esforço conjunto das assistentes operacionais do agrupamento, no mini ateliê montado na EB do Ave, que confecionaram mais de 700 trajes do povo ou o apoio logístico dos restantes.
E como esquecer o espetáculo de fogo, que encerrou o dia com luz e assombro, como se as estrelas quisessem aplaudir a festa? Ou o sarau final, onde os alunos do ensino secundário mostraram, com orgulho, que também sabem fazer arte à verdadeira maneira renascentista?
No meio de tudo isto, entre passos de dança e versos declamados, entre barracas e gargalhadas, ficou clara uma verdade: esta não foi apenas uma atividade escolar, foi um ato de comunhão. De construção de identidade. De reencontro com as raízes.
A feira foi um sucesso tão marcante que, ainda antes de terminar, já se perguntava na praça como e quando será a próxima. E, se vier, será um desafio à altura: manter viva a centelha que aqui se acendeu!
Para já, só nos resta agradecer. Três vezes. Com a solenidade de um brinde de época:
Obrigado! Obrigado! Obrigado!
Porque juntos — e só juntos — conseguimos criar algo grandioso. Um momento que não se ensina num manual, mas que se aprende com a alma, e se dignifica o lema do Agrupamento: Uma escola de todos e para todos!
Camões, se pudesse ver, reconheceria ali o povo de que tanto escreveu: valente, sonhador, engenho-so e esforçado “mais do que permitia a força humana”.
E nós, que estivemos lá, saberemos sempre dizer:
“Estivemos juntos no dia em que Camões voltou à praça.”

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