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Não há fumo sem fogo?

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Não há fumo sem fogo?

Ideias

2019-02-22 às 06h00

Margarida Proença Margarida Proença

Diz o povo que o que “nem tudo o que parece é”, ou ainda que “não e deve julgar o livro pela capa”. Por outras palavras, deve ter-se cuidado em seguir o que as aparências sugerem, porque pura e simplesmente podem não passar disso. Mas também se diz que “não há fumo sem fogo”, ou seja que não existem indícios sem fundamentos. A minha formação académica, e um exercício profissional de mais de quarenta anos treinaram-me na importância de procurar potenciais fundamentos, e avaliar de forma rigorosa a sua capacidade explicativa.
Nas últimas semanas o clima no setor da saúde tem vindo a atingir elevado grau de conflitualidade.
No setor da saúde, entenda-se, na saúde pública. Curiosamente os sindicatos de enfermagem utilizaram a greve como forma de tentativa de obtenção de regalias adicionais, seguramente sentidas pela classe como plenamente justificáveis. A greve assumiu contornos radicalizados, apesar de anteriores rondas negociais terem já aparentemente satisfeito alguns dos objetivos enunciados, nomeadamente a definição de uma carreira profissional para os especialista de enfermagem, com o correspondente nível remuneratório. Entretanto, a questão das 40 horas de trabalho semanal tinha já sido ultrapassada pelo retorno às 35 horas , extensível a todo o funcionalismo público, bem como a reposição remuneratória dos cortes feitos durante a permanência da troika em Portugal. Há certamente outras finalidades, outros objetivos alcançar, tidos como fundamentais para a classe profissional. A questão é saber se são razoáveis, ou seja, se podem ser obtidos no contexto de um processo de negociação equilibrado e justo para ambas as partes. E uma das partes, não o esqueçamos, somo nós todos, contribuintes.
Porque na verdade, a greve – tanto quanto me apercebi – não se dirigiu a todo os setor da saúde, mas apenas ao setor público. Será que no privado os salários são bastante mais elevados? E que existem carreiras profissionais claramente definidas e suficientemente remuneradas? Será que os horários de trabalho no setor privado da saúde são inferiores ? que a segurança de emprego é elevada? Fui tentar encontrar uma resposta; de acordo com o site do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, “Apesar de todos os problemas dos enfermeiros do Setor Privado (elevada precariedade, baixa remuneração, ausência de dotações seguras, desregulamentação dos horários de trabalho, etc.) , bem como os enfermeiros “sub-contratados”, que detêm um Contrato de Trabalho com uma Empresa de Trabalho Temporário/Prestação de Serviços (Instituição Privada), supostamente com base em recibos verdes , não estão abrangidos pelo pré-aviso de greve. A greve é apenas para o setor público da saúde.
O Serviço Nacional de Saúde foi formalmente criado em 1979, remontando as suas origens a 1971.
A partir de 1974, a política de saúde foi registando progressivas alterações até ao reconhecimento na Constituição Portuguesa de que “todos têm direito à saúde” (Lei nº 56/79, de 15 de setembro). Nunca foi fácil, nem certamente alguma vez o será. Com o tempo, foram-se acumulando histórias e argumentos sobre a relativa superioridade dos hospitais privados, ou da suposta melhor, mais eficiente e mais produtiva gestão privada.
Curiosamente, um estudo relativamente recente para França (Dormont e Milcent, 2018), conclui que a menor produtividade dos hospitais públicos não se deve de todo a uma ineficiência mais baixa, mas à diferença nos hospitais em si – enormes, procurados por milhares de doentes fragilizados economicamente e muito envelhecidos, com doenças crónicas e tratamentos muito longos e dispendiosos. Controlando essas diferenças, os hospitais públicos revelam-se mais eficientes do que os privados. A possibilidade de podermos ter ao dispor um serviço nacional de saúde é uma vantagem comparativa , um privilégio enorme. Já vivi diversos anos com base na disponibilidade de seguros de saúde, nos Estados Unidos. Sempre com medo. Tive um filho em casa, e quando confrontada com a possibilidade de um problema de saúde grave, voei para Portugal.
Mas entendamo-nos: a saúde é um negócio, em si, como outro qualquer. No setor privado, procura obter lucro. Enquanto funcionária pública, tenho direito à ADSE desde sempre.
A ADSE foi criada em 1963 para “colmatar a situação desfavorável em que se encontravam os funcionários públicos em relação aos trabalhadores das empresas privadas” (Decreto-Lei nº 45002, de 27 abril de 1963). Desde então cresceu, e foi-se alargando em termos de direitos , mas também no que respeita aos descontos obrigatórios para o sistema, atualmente 3,5% do valor da remuneração base dos beneficiários, pensões ou reforma. Desde 2007, as importâncias descontadas constituem receitas próprias da ADSE.
À sombra da ADSE, o setor privado floresceu.
Nada tenho contra – mas de qualquer forma, aquilo que eu espero, enquanto principal, enquanto pagante, é que os agentes que são aqueles que estão na sua administração, façam da melhor forma a gestão do dinheiro que lhes é entregue. Contratos justo, mas corretos, processos de negociação claros, denunciando cartéis se porventura for o caso. Até porque olhando para trás, a verdade é que sempre que tive uma situação grave que me tenha obrigado a recorrer a um prestador de saúde, nunca tive qualquer dúvida – o Serviço Nacional de Saúde.

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