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Ideias
2024-10-17 às 06h00
Por natureza, a negociação do Orçamento do Estado é um instrumento fundamental da política. É através deste que o Governo traduz as suas ideias e programa eleitoral em medidas concretas, decidindo o financiamento a atribuir. É um momento onde podemos distinguir, ainda com mais clareza, as diferenças entre os vários partidos, seja pelas prioridades ou pelo nível de ambição.
Ainda assim, em 2025 a política portuguesa debateu, respirou, viveu Orçamento do Estado (OE) de forma inédita. É o tema do dia, da semana, do mês e de, praticamente, todo o último meio ano. Trata-se de uma consequência direta da fragmentação existente na Assembleia da República, onde os dois maiores partidos se encontram empatados em número de deputados - depois de uma eleição decidida nas casas decimais - e o Governo tem o apoio de, apenas, pouco mais de um terço do parlamento português.
No entanto, como se tem vindo a perceber, este prolongamento da discussão sobre o Orçamento foi igualmente provocada pela estratégia do próprio Governo da Aliança Democrática.
Por um lado, o ambiente de debate perpétuo - com uma cobertura mediática que, frequentemente, se equiparou a um relato desportivo - desviou atenções de casos sucessivos onde a atuação do Governo deixou a desejar. Foram situações insólitas e de má gestão, mas sem repercussões políticas. O exemplo máximo foi o pior Verão do Serviço Nacional de Saúde, em particular no fecho de serviços de urgência. São recordes infelizes, que ninguém queria bater, resultantes da atuação errática da ministra, que começou por reverter medidas do Partido Socialista e demorou a reconhecer (e a corrigir) esse erro.
Mas houve bem mais: a ausência de explicações na fuga do estabelecimento prisional, a resposta precária aos incêndios, o ataque cibernético sem reação, ou as demissões e nomeações em massa de cargos dirigentes na Administração Pública (IAPMEI, Aicep, IEFP, Parpública, IPDJ, Santa Casa, Instituto Camões, IHRU, Instituto da Segurança Social, etc).
Por outro lado, depois de meses a fio onde toda a comunicação social esteve recheada de debate orçamental, Luís Montenegro conseguiu cansar todos os portugueses do tema. Apesar de sucessivas declarações do Secretário-Geral do PS, ao longo de todo este ano, onde manifestou as suas linhas vermelhas e as suas prioridades, de forma a poder viabilizar (por abstenção) o exercício orçamental de 2025, a proposta de OE manteve-se inalterada até às últimas semanas.
Só agora surgiu a iniciativa do Governo para tentar corrigir, ainda que parcialmente, os desequilíbrios nas propostas do IRS jovem e corte do IRC. E assim que a AD apresentou cedências e se aproximou, pela primeira vez, do Partido Socialista, muitos se apressaram a pressionar Pedro Nuno Santos para aceitar a proposta. Parece-me que assim seria, fosse qual fosse o seu conteúdo - pura e simplesmente, (quase) ninguém queria ouvir falar mais em Orçamento.
Apesar de confortável com os aumentos nas diversas carreiras do Estado, as reticências do PS sobre o Orçamento são compreensíveis. O corte de IRC - ao qual Montenegro prende todas as medidas de valorização das carreiras no setor público - pode parecer um mero detalhe, mas a redução deste imposto sobre as empresas representa uma perda significativa de receita para o Estado. Sobretudo quando consideramos que a intenção do Governo é de continuar a reduzir 1% por ano, até final da legislatura.
Tomemos de exemplo os cinco maiores bancos a operar em Portugal, que todos registaram lucros recorde em 2023 e apresentam, de momento, projeções ainda melhores para 2024. Para estes cinco bancos, a redução anual de 1% no IRC até 2028 significa uma perda de receita para o Estado que pode atingir 500 milhões de euros, só nos quatro anos desta legislatura. Pergunto: é aqui que o Estado deve usar os seus recursos? É esta medida que nos permitirá dar um salto qualitativa na nossa economia? Da direita não se conhece outra resposta ou solução.
Na minha ótica, o centro-esquerda não deve ter pudor em falar de competitividade. Portugal deve (tem de?) ambicionar a uma nova escala de desenvolvimento, tornando-se uma economia mais sofisticada e capaz de oferecer perspetivas de melhor emprego e remuneração, em particular às gerações mais jovens. Mas essa abertura não significa alinhar em fezadas liberais, onde o Estado abre cordões à bolsa sem critério ou objetivos bem definidos.
Aliás, é de notar que foi o Partido Socialista, durante os últimos oito anos, a conseguir um crescimento económico acima da média europeia - um cenário que a direita, incluindo PSD e CDS, apelidaram de “estagnação” e de falta de ambição, mas que agora se revela melhor do que as estimativas macroeconómicas do Governo da AD. Joaquim Miranda Sarmento tinha prometido um crescimento económico de 3.5% em 2028; afinal, as previsões enviadas a Bruxelas indicam que será apenas de 1.8%, ou seja, cerca de metade daquilo que prometeram aos portugueses.
Em campanha eleitoral, o PS apostou na seriedade e apresentou um programa político baseado em estimativas económicas realistas, onde se mantinha a trajetória de crescimento conseguida nos últimos anos. No sentido inverso, a AD apostou no ilusionismo, recheando o seu programa eleitoral com meias verdades, incluindo a desonesta proposta de redução do IRS; que, viemos a descobrir mais tarde, afinal já tinha sido praticamente toda feita pelo PS.
Estes casos de fuga à verdade ganham relevância no contexto atual, em que Montenegro e Ventura trocam acusações sobre quem está a mentir. Em causa se o Governo da AD e o Chega se reuniram para chegar a acordos estruturais sobre o Orçamento do Estado e a legislatura.
Com naturalidade, admito que a maior desconfiança recaia sobre a figura principal da extrema-direita. A cronologia fala por si: André Ventura começou por aprovar medidas com a IL e o Governo da AD, negociando tudo e mais alguma coisa, incluindo o cargo de Presidente da Assembleia da República. Depois mudou de ideias e só aprovaria o OE com um referendo à imigração. Como o tema não pegou, decidiu que estava fora das negociações e era uma decisão irrevogável!
Mais tarde, o vento soprou para outro lado, aí surgiu o Chega disponível para voltar à mesa e voltar atrás com a palavra. Já nem era preciso referendo nenhum, agora queria era excluir o PS totalmente das negociações. Depois, o Chega queria era um acordo para os próximos quatro anos, já não estava interessado em contribuir para uma solução imediata. De seguida, anunciou que estava disponível para viabilizar o Orçamento e evitar uma crise política... concluindo, afinal, que o “não” irrevogável, outrora já revogado, tornava a ser irrevogável.
Não sei quem diz a verdade. Sei é que o país merecia mais seriedade e sentido de Estado. Características que, ao longo destes meses, só vimos num dos três intervenientes da negociação orçamental.
15 Junho 2025
15 Junho 2025
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