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Numa escola perto de si

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Numa escola perto de si

Voz aos Escritores

2025-03-21 às 06h00

Fabíola Lopes Fabíola Lopes

Numa escola perto de si, com dó maior, lá com sonhos descabidos nas cabeças dos petizes, alheios à proximidade de uma guerra mais global. Seja ela apenas comercial ou não. Os entendimentos que perfizeram tinta sobre papel após o horror das duas guerras mundiais são ignorados diariamente e chega até a ser engraçado, uma daquelas ironias finas que às vezes a vida nos dá, ver Putin a tratar Trump como uma marionete. Como todos, vai até onde o deixarem ir. E na miragem da ganância partilhada, dançam a valsa dos condenados. E condenam centenas, até milhares, nos entremeios dos seus rodopios.
Não fazem ideia, os pares de olhos que enfrento todos os dias, que podem brevemente sentir a latejar no peito as ânsias dos marinheiros e soldados das Despedidas de Belém. Um adeus sem retorno garantido é, tantas vezes, definitivo. Sonham antes com uma casa grande, bonita e confortável, dois filhos, um cão, carro, sejam influencers, jogadores de uma qualquer bola ou fisioterapeutas, todos terão um salário chorudo no final do mês que lhes permita pagar as contas todas mais as viagens que almejam e um estilo de vida que lhes chega do outro lado do Atlântico. Espero sinceramente que assim seja, embora cada vez tenha mais dúvidas, uma vez que sabem o destino mas ignoram o caminho que têm de percorrer, se assim quiserem verdadeiramente que seja. Apenas uma aluna, em mais de sessenta, me revelou que se esforçava todos os dias para ser melhor pessoa do que no dia anterior. Corrigir maneiras e modos são pequenos passos que dá para um dia chegar a Ser.
Como dizia, não fazem ideia e eu também não lhes desvelo o inferno que se avizinha a passos de gigante Adamastor. O horror não seduz e, para ataques de pânico, fobias e outros que tal, esta geração já tem a sua dose sem grande ajuda. Talvez com grandes contribuições de inércias parentais e sociais perante um entretenimento fajuto que lhes tolda a visão e embebeda o pensamento.
Por estes dias, num questionário, um aluno do secundário respondeu que o seu trabalho era o desporto. Fiquei surpreendida e questionei se jogava a nível profissional ou era pago. Respondeu-me negativamente, ainda, ao que retorqui que o trabalho dele, então, é estudar. Claramente partilhou comigo a sabedoria extrema e evidente: também não me pagam para estudar. Lá lhe expliquei que não era verdade. Que ele não recebe dinheiro para estudar, mas quem trabalha paga para que ele possa fazê-lo, para que ele tenha esse serviço gratuito e, quanto chegar a vez dele, será ele, através dos seus impostos, a pagar para que outros estudem. Um ciclo inspirador, hoje por mim, amanhã por ti. Não preciso de vos descrever a expressão na cara deste aluno, deve ser semelhante à de alguns dos leitores neste momento.
Não sei muito bem de onde vem esta ideia enraizada de gratuitidade, seja no ensino, na saúde, nas forças de segurança e numa série de serviços ao dispor da população. Mas sei que quantas mais crianças e jovens tiverem consciência de que não é grátis, que há todo um esforço coletivo para que tenham acesso a esse serviço, melhor. Talvez assim o apreciem e valorizem um pouco mais. Não acontece assim em todas as geografias.
E, numa escola perto de si, há muito quem honre esta bitola do serviço público. Há quem receba e acolha de braços abertos, há quem esteja sempre disponível para solucionar qualquer problema e nunca feche a porta, há quem partilhe muito mais do que materiais. São vidas que se entrelaçam numa melodia que sussurra aos ouvidos os passos da valsa dos vitoriosos, que conquistam horizontes de luz nos olhares sobre um futuro que se espera radiante, ainda que não tenham a mínima ideia sobre como lá chegar.
Ainda assim, mesmo perante todos os despautérios, dançamos. Muitas vezes nas pontas dos pés, para não ficarmos com nenhum absurdo agarrado.

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