Correio do Minho

Braga,

- +

O bairro também é República

Os perigos do consumo impulsivo na compra de um automóvel

Banner publicidade
O bairro também é República

Ideias

2024-10-31 às 06h00

Bruno Gonçalves Bruno Gonçalves

Perante a república somos todos cidadãos. Nem de primeira, nem de segunda. Todos com direitos e deveres iguais.

Foi há dez dias que morreu Odair Moniz, cidadão baleado por um agente da PSP. Naturalmente, acompanho todos os que lamentam este episódio e oferecem condolências à família - a vítima deixa três filhos, o mais novo com apenas dois anos -, aos amigos e a toda a comunidade que chora com saudade. Creio que este sentimento é acompanhado pela maioria dos portugueses.
Apesar de ter dominado a nossa atenção coletiva durante todo esse tempo, este caso permanece envolto em incerteza e ausência de explicações. Circunstância essa que nos recomenda a não tirar conclusões precipitadas sobre a vítima e a comunidade que integra, ou sobre as forças de segurança no geral - embora o comunicado da PSP, com erros factuais muito graves, não ajude.
Infelizmente, de forma insuspeita, houve protagonistas políticos que quiseram fazê-lo de forma apressada, forçada, vil e indigna. Sobre estas pessoas, que não quiseram esperar pelos factos para se pronunciar ou para tecer sentenças, podemos concluir bastante. Nomeadamente quais são os princípios (ou falta deles) que os guiam.
André Ventura, precipitou-se a clamar pela condecoração do polícia que efetuou o disparo. Sem conhecer os detalhes e o contexto, o Presidente do Chega já tinha decidido que a morte de um cidadão português não só era uma boa notícia, como era motivo suficiente para galardoar o autor dos disparos.
Podemos especular sobre as razões que alimentam estas declarações do cabecilha da extrema-direita. Não seria difícil de concluir, pelo seu historial de verborragia, que se tratam de estereótipos velhos e discriminatórios. Mas será, com certeza, ponto assente que o seu caráter é novamente exposto pela fome gulosa de aproveitar a desgraça e de se colocar no centro de qualquer polémica.
Lamentavelmente, mas como já seria de esperar, Ventura não foi caso único no partido Chega. O líder da bancada parlamentar na Assembleia da República concluiu que “se a polícia atirasse mais a matar, o país estaria mais em ordem”. Além da falta de vergonha e decência, ao incentivar a violência, Pedro Pinto demonstra também a sua completa ignorância.
Portugal marca presença constantemente no top 10 de países mais seguros no mundo inteiro - só que, para o dirigente do Chega, seria melhor seguir os exemplos da Coreia do Norte, do Afeganistão (ambos entre os piores países, em mais de 160 anualmente avaliados) ou qualquer outro regime que se aproxime mais da lei marcial.
Também um assessor do grupo parlamentar do Chega, jovem militante deste partido e dirigente da respetiva juventude partidária, se regozijou com a morte de Odair. “Menos um criminoso... menos um eleitor do Bloco”. É mau demais; é mesmo inadmissível. Ricardo Reis conseguiu a triste proeza de combinar total desumanidade, com uma tirada do playbook de Donald Trump, onde pinta os seus adversários políticos como inimigos e uma ameaça.
A extrema-direita tem seguido um caminho de normalização progressiva, aproximando-se lentamente dos circuitos de poder, com conivência pontual da direita democrática. Neste caso, foi incapaz de controlar os seus instintos mais primários e antidemocráticos. Características que tanto sobressaíram que o Chega não escapou à condenação total no espaço público.
Foi bom assistir ao consenso dos portugueses em torno da reprovação das mais abjetas tiradas do Chega e dos seus dirigentes. Até para alguns eleitores de André Ventura, esta situação foi longe demais. Tanto que a manifestação convocada pelo Chega para o passado domingo não teve qualquer adesão popular, praticamente só aderiram os militantes mais radicalizados do partido.
Mas interrogo-me porque é que Pedro Pinto foi novamente convidado a marcar presença em diversos painéis de comentário político, incluindo nos principais órgãos de comunicação social, sem que se tenha retratado ou demonstrado vontade em fazê-lo.
Interrogo-me, também, como é que um partido político não toma qualquer medida sobre um funcionário que festeja a morte de um concidadão, nem é pressionado a justificar-se por tal decisão. Sintomas da desresponsabilização do ódio e de uma ecologia mediática mais frágil e com menos sentido de missão?
Para lá da minha total condenação da conduta dos dirigentes do partido Chega, quero sublinhar que a crítica sobre conclusões precipitadas é igualmente aplicável a outras teses que emergiram com muita pressa e pouca reflexão. Assim como se aplica a reprovação da violência a todos os que escolheram manifestar-se de forma caótica e contraprodutiva, atuando, tantas vezes, contra as necessidades e interesses da própria comunidade enlutada.
Em democracia, mesmo quando a razão se encontra do nosso lado, a escolha e a solução nunca passam pela violência. Os sentimentos de frustração e perda não podem servir de pretexto para a desordem - ainda menos quando se colocam em risco vidas alheias, como o caso do motorista da Carris que se encontra em estado grave.
A natureza das relações entre comunidades marginalizadas e forças de segurança é conhecida há muito. Foi varrida para debaixo do tapete sucessivamente, na esperança que a tensão fosse passível de acumular durante (ainda) mais tempo. Haverá queixas de ambos os lados, umas com mais propriedade do que outras.
Mas reconheço que, depois de enfrentados e ultrapassados os primeiros dias, de emoções mais exaltadas e ocorrências mais sérias, cresceu o espaço das manifestações positivas e moderadas. Assim o demonstrou (e bem) o movimento “Vida Justa”, que decidiu até mudar a trajetória do seu protesto pacífico, para evitar qualquer contacto com o Chega.
Também o demonstraram as diversas vozes pacificadoras que surgiram de parte a parte: a empatia de muitos portugueses, que compreendem como as condições de pobreza nestes bairros condicionam a ambição, as oportunidades e a vida das suas comunidades; mas também dos próprios moradores, para com as autoridades do Estado e a tensão que os agentes enfrentam.
É essa postura construtiva, mas exigente, que nos permite refletir sobre as fragilidades da nossa sociedade. Seja na estruturação das forças de segurança, seja nas políticas de inserção sociocultural - em ambos os casos, só existirá sucesso se houver também um forte compromisso mútuo.

Deixa o teu comentário

Últimas Ideias

15 Junho 2025

Onde está o coração?

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho