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O BANHO REPUBLICANO

A Economia não cresce com muros

Ideias

2015-02-08 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

No calor dos debates parlamentares, nas acesas disputas político-partidárias veiculadas pelos meios de comunicação, é vulgar que o PCP acabe apelidado de “não democrático”. Virá o hábito dos idos de ’74. Saía Portugal do Estado Novo, e logo ali, com pergaminhos e estrutura organizativa, com ambições e esperança de aceder ao Poder, se encontrava quem fizesse a apologia duma nova forma de ditadura. O parlamentarismo burguês seria um interlúdio, um tempo para ganhar alento, mas a ditadura do proletariado era um dado adquirido. Cintilava a sacra aliança operário-camponesa, cientes do progressivismo inelutável da História convergiam os quadros superiores, artistas e intelligentsia. Vastos sectores das forças militares comungariam dos mesmos ideais. Novo e distraído era eu, mas creio que a coisa chegou a estar feia. Quem tivesse umas luzes de História Universal saberia que a Revolução Russa triunfara a partir de bases menos sólidas. Julgo ter percebido, anos mais tarde, que teria corrido dinheiro a rodos para arregimentar clientelas e tornar compensadora a adesão a forças partidárias concorrentes. As altas esferas da NATO, na dúvida, teriam chegado a esboçar uma intervenção. Nas convulsões da Guerra Fria os americanos levavam água pela barba no Vietnam, e estaria fora de questão a instauração dum regime comunista em Portugal.
Para usar um chavão, o comboio da História deixou o PCP num apeadeiro a meio caminho de lugar algum. Não pretendo ser historiador, nem teria condições para tal. Talvez me faltem informações cruciais, mas até que os comunistas portugueses não se saíram mal de todo. Seja porque são empedernidos, enquistados nos seus valores, seja porque ninguém conta com eles para nada, por força de velhos preconceitos, logo que a discussão se incendeia levam com a etiqueta patusca: força não democrática. Ora, defendendo nós a democracia, com unhas e dentes, até à última gota de sangue, como compactuar com quem é não democrático? Concedam-me a vulgaridade, mas na senda de um desprendido primeiro-ministro, que disse estar-se nas tintas para as eleições, eu até poderia dizer e que se danasse o PCP. A questão é que, anos a fio, por via da estampilha não democrático, tudo o que de lá foi dimanando não encontrou senão ouvidos de mercador.
Algo de análogo se passa em França, se bem que aqui a propósito da Frente Nacional, força política que se conota com o extremo oposto do espectro partidário. Aqui descartam a FN com o selo de não republicana. Porém, não advogando a FN o regresso à monarquia, é complicado de perceber como é que possa ser um partido não republicano. Que não comungará dos ideais da República, dizem.
Eu esfalfo-me para perceber quais possam ser os valores republicanos que a FN deplore ou repudie, e não há maneira de dar conta do recado. Salta-me aos ouvidos que a FN, ainda no tempo do Le Pen pai, teria sugerido a restauração da pena de morte. Bom, por muito que se lute pelo contrário na Europa, não consta que ninguém torça o nariz ao ordenamento jurídico americano, mesmo que nem todos os estados da união a pratiquem. Que a FN será um partido racista. Mas, nem vai assim há tanto tempo, Manuel Valls encheu a boca com a constatação de que em França se pratica solidamente o apartheid étnico e social.Por não partilhar dos ideais da República a FN foi publicamente desconvidada de participar na concentração-desfile de 11 de Janeiro. Marine Le Pen não se deu por ofendida. Celebrou onde quis e com quem bem lhe apeteceu os horrores do islamismo. Correm hoje eleições parciais numa circunscrição, e a FN partiu à frente. O partido de Sarkozy ficou pelo caminho e para a segunda ronda não sabem o que fazer. A transferência de votos para o PS parece uma aberração, mas pavor maior têm de que ganhe a FN.
Lá, e cá, os partidos do arco do poder entretêm-se com vacuidades. Em França, uma parcela significativo do eleitorado deixou de lhes prestar ouvidos. Eles estão incrédulos. Alguns já estarão resignados, por não verem como é que partidos tão monolíticos e tão mal acostumados se possam regenerar.

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