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O Carnaval em Braga

A responsabilidade de todos

O Carnaval em Braga

Escreve quem sabe

2020-02-12 às 06h00

José Hermínio Machado José Hermínio Machado

Da minha infância o Carnaval trouxe para as idades seguintes a maluqueira dos caretos carregados de campainhas de vacas, correndo as ruas e assustando toda a gente, especialmente os miúdos e as mulheres, aqueles reagindo na corrida em volta deles e elas gritando e apodando os ditos com tudo o que lhes viesse à voz. Os caretos faziam-se de lençóis ou cobertas de casa que já tivessem menos uso e seguravam nas mãos um pau ou estadulho mais fino ou vara de tocar o gado. Um dia, um mais maluco que os outros alcandorou um rapazito em cima de uma burra e fê-lo passear pela aldeia coberto de mantas mas deixando apenas o rabo à vista de todos, metade branco e metade vermelho, apregoando a venda de queijo. Noutro ano foi a vez do M. F. se vestir de freira e andar a parir pelos cantos públicos um boneco de plástico.

O resto eram as serpentinas que os adultos sopravam da boca como vómito contínuo de surpresas encaracoladas e a canalha recolhi da rua para voltar a enrolar e fazer pirolitos cónicos de habilidade. Com o tempo as maluqueiras estudantis foram arremedando as práticas carnava- lescas, com representações exageradíssimas de rituais religiosos, como o funeral, o casamento, a boda, eu sei lá. As máscaras apareceram entretanto e facilitaram a vida a todos, depois as fantasias de vestuário completo. As maiores ousadias ficaram no entanto acantonadas ao travestismo ou transformismo de género, matéria sempre inspiradora e o «pecado» torna-se a linguagem de circunstâncias. Na cidade de Braga, nos anos sessenta, veio a surpresa de ver o Carnaval em desfile de motorizadas, uma centena ou mais, que apareceu de umas ruas para outras com os motores a abrir, um ou outro mascarado, quase todas com pendura encavalitado e a pantominar o que conseguia.

Não terá sido por acaso que a oleira Júlia Ramalho configurou em barro o demónio numa motoreta, pois eu o vi também reproduzido a esmo nas ruas de Braga, para cima e para baixo naquele contínuo ruído motorizado. O resto eram bailes e festas particulares com mascarados, serpentinas e confétis, apitos e gaitas estridentes. Mais tarde, as fantasias ocuparam as crianças e as escolas aceitaram encargos de desfile pelas ruas. Assim estamos ainda, não obstante a iniciativa pessoal e familiar de cada um se passear pelas ruas e nos centros comerciais como pode e acha bem. Notícias de outras terras enchem histórias de Carnaval, desde o Lindoso que enterra o Pai Velho em cortejo de carro de vacas até aos corsos carnavalescos da indústria cultural.

Curiosamente os corsos e os corsários têm tudo a ver, remontando à ideia de pilhagem e à de onda gigantesca, trazendo a referência imaginária das invasões de piratas e dos cardumes de sardinha que se transformam dos mares para as latas. Ou seja, o tempo da suspensão do sentido do mundo para o viver como inversão é já uma directiva cultural dos povos. As televisões puseram-nos em contacto e as maravilhas carnavalescas de uns e outros partilharam-se, com o Brasil a impor-se como paradigma dos excessos imaginativos. A literatura e a história deram fundamento secular a todas as práticas carnavalescas e a própria Igreja passa por ser sua inspiradora, educadora que foi de goliardos e de pantomineiros. Não há-de tardar, Braga assistirá aos blocos de som e às escolas de samba, às corridas de caretos e aos transformismos que a festa pede, antes que se recolha ao período quaresmal.

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