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O crivo

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O crivo

Voz aos Escritores

2025-03-07 às 06h00

José Moreira da Silva José Moreira da Silva

Aqui, junto ao mar, vêm-me à ideia os aventureiros, os descobridores de novos mundos, os bandeirantes destemidos que marcaram as terras e redefiniram o mundo. O Brasil, esse país imenso, sê-lo-ia da mesma forma sem a sua audaciosa ação? Penso na facilidade com que hoje se conquista o mundo, no estalar de dedos de indivíduos sem base moral, nem ética, subjugados ao peso do cifrão, na ameaça nuclear, e sinto genuína piedade dos que abriram terras com as mãos em busca do seu pão. Esta ideia pesa-me desde a missa matinal, quando li uma passagem do Livro de Ben Sira, "filho de Sira", que reflete sobre o objeto "crivo", que muito apropriadamente traduzimos por "coador" ou "peneira". Diz-se nela que, quando agitamos o crivo, só ficam as impurezas, supondo-se, portanto, que o que flui pelos interstícios é sempre puro e, correlativamente, o que resiste será logicamente impuro. Aceitando a simbologia da passagem bíblica e o entendimento de que, ao crivarmos os nossos próprios pensamentos, apenas expomos, pela linguagem ou pelos gestos, ideias puras, não posso deixar de pensar na força cultural do que sobra, sobre as "ideias impuras". Afinal, se ao peneirarmos a farinha resta o "impuro" farelo, se ao coarmos ouro pode sobrar o diamante ou a safira, porque não aceitar que, noutros contextos ou situações, as ideias que sobraram na filtragem podem ser ouro de altíssimo quilate? Segundo o texto bíblico, o homem é posto à prova pelos seus próprios pensamentos, e é aqui, na zona caótica da sua consciência, dependendo dos seus valores morais e éticos, que a filtragem, a escolha vai ser feita. O farelo, o diamante ou a safira serão com certeza produtos valiosos numa outra dimensão, eventualmente, numa outra linguagem. Se o fruto da árvore manifesta a qualidade da terra, também a linguagem humana manifestará a qualidade dos sentimentos. A palavra sempre escolhida a preceito, bem filtrada e dita, explicitará os bons sentidos, condutores dos mais profundos e belos sentimentos. Talvez por isso se afirma, no texto bíblico referido, que não devemos elogiar sem conhecermos a fala, o pensamento do outro. E isso porque poderemos validar, indiretamente, o que o nosso coração sempre recrimina. Costuma-se dizer que o coração comanda a razão, e que não é muito bom quando temos o coração ao pé da boca, querendo desta forma criticar-se o excesso de emoção e a fragilidade do que é dito. Compreendemos que assim seja, mas tendemos a preferir que a boca esteja sempre ao pé do coração, junto a tudo o que nos torna mais humanos. Fica-me do Livro de Ben Sira a mensagem implícita que nos transforma em navegadores de palavras, e que nos lembra a necessidade de sermos cuidadosos com tudo o que dizemos. Os textos bíblicos têm este condão: o de nos obrigarmos a pensar com a cabeça, mas também com a nossa fé e com o nosso coração. 

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