Indispensáveis são os bracarenses
Escreve quem sabe
2022-11-26 às 06h00
Em finais de 2020 decidi iniciar a experiência de desligar o smartphone que então tinha, um Samsung Galaxy A6 e limitar-me a usar um telemóvel Nokia 105, capaz de fazer telefonemas e de enviar sms, mas sem câmara nem ecrã tátil – fiquei a saber depois que este modelo da marca finlandesa é usado por chefes dos serviços secretos de vários países, uma vez que, sendo tão básico, é menos vulnerável à devassa.
Planeei fazer essa experiência para tentar perceber quão verdadeira é a expressão que amiúde se ouve “Não posso passar sem o meu smartphone!” – na versão dos adolescentes: “Smartphone ou morte!” – ou, noutros termos, até que ponto estamos dependentes desta tecnologia.
Um primeiro indício de que essa dependência é grande foi não ter conseguido levar por diante a intenção inicial de deixar de usar qualquer dispositivo de comunicações móveis. As relações familiares, de amizade e profissionais poderiam ficar afetadas, sobretudo quando pensamos em hipotéticas urgências. Optei, então, por um dos modelos mais simples disponíveis no mercado. Não precisava de mais para testar de que modo não usar o mais sofisticado smartphone afetaria a minha vida.
Dois anos passados, faço um balanço. No plano dos ganhos, diria que me aumentou o sentimento de tranquilidade. Isso aconteceu principalmente com a supressão das incomodativas notificações, em forma de sons ou vibrações, que nos coloca, nolens volens, em constante modo de sobreaviso, depois de expetativa, gerando assim uma espécie de intoxicação psicológica e um crescendo de nervosismo e ansiedade. Mas também aconteceu fazendo desaparecer a possibilidade de realizar consultas de emails, de notícias, do Google a todo o momento – que induz sobre-estimulação do sistema nervoso, sobre-aquecimento mental autoinfligido – criando salutares momentos de tédio e reflexão.
Já no plano das perdas, destacaria três. Numa visita recente à labiríntica cidade de Veneza fiquei perdido ao cair da noite e sem a facilidade de um GPS incorporado num smartphone – os mapas em papel praticamente desapareceram – foi muito difícil encontrar a estação de comboios de Santa Lucia para regressar a Pádua.
Meses antes, quando intentei fazer a aquisição online das passagens aéreas para essa viagem, a companhia de aviação exigia que a operação fosse validada pelo meu banco e depressa descobri que para tal necessitava de uma App e que essa App tinha de estar instalada num smartphone. Escusado será dizer que dentro dos aeroportos, sem um dispositivo desses com QR-codes armazenados pode ser muito tormentoso fazer o check-in para embarque.
No inovador sistema de alojamento em Pádua, a tecnologia substituiu as pessoas e, seja para fazer o registo de entrada, que exigia fazer uma digitalização de documentos e, por conseguinte, um dispositivo com câmara de vídeo integrada, seja para as entradas e saídas no espaço, um smartphone era indispensável.
Estes três exemplos fizeram-me repensar se, no final de contas, a tecnologia digital contribui para ampliar ou restringir a esfera da nossa liberdade. É que, por um lado, parece que nos permite fazer as coisas de forma mais “limpa” e mais rápida, mas, por outro lado, parece que já não temos uma efetiva escolha para fazermos essas coisas de outro modo. Essa situação foi definida pelos filósofos da tecnologia como “determinismo tecnológico”. E é isso que, quer queiramos ou não, quer gostemos ou não, a tecnologia digital está a fazer-nos: a reconfigurar o modo como devemos agir e, em última instância, como devemos pensar.
06 Dezembro 2024
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