A Economia não cresce com muros
Escreve quem sabe
2021-01-25 às 06h00
O momento pandémico que se vive não revela sinais geradores de sorrisos nem, eventualmente, abstracção e capacidade de reflexão sobre o nosso contexto de resposta a esta dificuldade, por muitos, já equiparada a uma guerra. Na verdade, quando não nos sentimos bem e confortáveis e, sobretudo, quando o nosso pensamento divaga entre a constatação da impotência e uma preocupação de reacção e precaução, o nosso distanciamento perante o que ocorre, o nosso potencial analítico crítico e carácter propositivo é tendencialmente reduzido e negativo.
Todavia, não deixa de ser oportuno e necessário, o quanto antes, “olhar e analisar” para “prever e preparar” um futuro que, como já repetido em textos anteriores, é feito de mudança cada vez mais presente, imediata e surpreendente.
Ao nível físico, que não o humano, a pandemia vem revelar a importância do espaço habitacional e do espaço público na vida de cada um de nós e o quanto estas duas realidades influenciam determinantemente o nosso conforto e resistência, o nosso bem-estar e a nossa capacidade de acreditar e caminhar. Ou seja, o quanto são fundamentais para nos “armar” de ferramentas e instrumentos de actuação e reacção (no nosso quotidiano) às adversidades e dificuldades.
De forma inesperada (pela sua dimensão), este tempo pandémico expõe o quanto precisamos da nossa habitação transformada ema casa e lar, o quanto ela pode, deve e, muitas vezes, é a extensão de nós próprios, por muito que a nossa percepção seja apenas a da habitação como abrigo… Porque num “rodopio incessante”, um quotidiano exaustivo e um tempo livre e de lazer muito ocupado e assoberbado de convites e incentivos “para sair”, tantas vezes, não chegamos a “criar ambiente e afecto”, a saborear e a viver a nossa habitação e, como agora, por necessidade, quando temos que “por ela ficar dia após dia” num confinamento forçado, descobrimos uma estranheza e uma falta de cumplicidade que não nos conforta, antes entristece, quase revolta.
Em oposição, e também de forma inesperada, é-nos “tirado” o espaço público, esse espaço comunitário, tão diversificado quanto único, que tantas vezes reclamamos do subdimensionamento e da falta de conforto, limpeza e segurança. Na verdade, muitas vezes, esquecido e, por vezes, “abandonado”… mas, agora, que não o temos, e, quanto muito, o avistamos de longe, verificamos o quanto, afinal, é importante para cada um de nós e para nós todos como comunidade.
Este confronto com o espaço habitacional e o espaço público torna ainda mais difícil a gestão e a luta contra a pandemia, mas não deixa de ser, friamente, uma oportunidade para reflexão, reabilitação e reforma da nossa relação e construção com estes espaços habitacional e público. Afinal, não deixam de ser importantes para construirmos a condição, esta palavra mágica, hoje tão associada ao planeamento “de futuro”: conhecer e preparar melhor para enfrentar o que surgir…
Em abono da verdade, o espaço habitacional nunca foi dominantemente valorizado. Na convicção de que “todos nós sabemos um pouco da organização do espaço”, na percepção de que o projecto é apenas uma fonte de despesa e uma necessidade burocrática, na resposta mínima e obrigatória a requisitos legais e regulamentares, o espaço habitacional foi sendo erguido e alimentado na dicotomia do cumprimento legal e da nossa percepção e gosto, muito mais do que conhecimento técnico e informação relevante. Por isso mesmo, hoje, constatamos que ao espaço habitacional falta um desempenho energético eficaz e compatível, nem sempre abunda salubridade e iluminação natural, perpassa tantas vezes espaços “esconsos” e sem atractividade e conforto espacial, ou seja, sem apelo para “ficar e gostar”.
Dir-se-á que tal reflecte a desvalorização do projecto, do pensamento e concepção antes da construção. E que também espelha a incapacidade das instituições em influenciar e determinar, contribuindo para a valorização do (bom) projecto como passo prioritário e estruturador da construção. Seguramente que tal é verdade. Mas não deixa de se evidenciar que todos nós nos demitimos de velar, continua e profundamente, pela qualidade deste mesmo espaço habitacional.
Ao nível do espaço público, tantas vezes, reclamamos da sua dimensão, ora em excesso ora tímida, da existência ou não de arborização, de iluminação e tantas outras coisas, percebendo agora que, talvez, o grande problema não esteja (ou não seja só) na qualidade deste mesmo espaço público, antes na forma e apropriação do espaço que materializamos e praticamos regularmente. De forma livre e simples, dir-se-á que queremos o espaço público “em função de nós próprios”, esquecendo que o mesmo é espaço de todos e de todos deve ser rosto e referência.
Este acto de planeamento, que tanto se reclama, deve ser ajustado a este tempo contemporâneo de mudança contínua e, muitas vezes, surpreendente, em que mudar de metodologia e critério, privilegiando o plano como um processo e não como um produto, a condição em detrimento da imagem, pensar nestes espaços – habitacional e público – é fundamental e pode ser passo precursor de um caminho reformado a percorrer. Mas, tão fundamental como esta realidade, é também a forma como valorizamos o caminho “para lá chegar”, ou seja, o projecto e a concepção. Não se duvida que muito se teria evitado caso o projecto e a concepção tivessem tido outro protagonismo. Agora, este protagonismo é necessário, ainda mais necessário. Para reparar e para criar. Para sarar feridas abertas e robustecer o que há-de vir…
20 Abril 2025
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