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O espelho

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O espelho

Ideias

2020-02-18 às 06h00

Vítor Esperança Vítor Esperança

Se a reflexão da imagem é um fenómeno físico natural, usualmente observado em superfícies planas associadas a águas calmas, o espelho é uma invenção do Homem.
O espelho foi criado para refletir a nossa imagem, sempre que quiséssemos.
Sabemos que a devolução da imagem pode ser distorcida, conforme a curvatura da superfície refletora, mas não é desse tipo de espelhos que aqui quero falar. É o normal e plano espelho que me importa.
O espelho não reflete apenas a imagem. Reflete o próprio Homem. É instrumento fabuloso que deu origem a lendárias estórias.
Todos sabemos olharmo-nos ao espelho e com ele estabelecemos diálogos interiores, mais ou menos profundos, maioritariamente superficiais. Gostamos de nos ver bem e bonitos, o que nem sempre acontece apesar de sermos a mesma pessoa. Os adornos e cosméticas com que escondemos o que não queremos ver e realçamos o que queremos mostrar é conseguido com ajuda do espelho. A superficialidade de uma observação pode contudo dar origem a análise mais cuidada. Tocamo-nos ali, retocamo-nos mais ao lado, mudamos de adorno e de posição, mudamos inclusivamente a ideia de que fazemos de nós.
Extraordinário instrumento que nos permite pensar para nós. Que grande oportunidade nos dá o espelho para um monólogo. Quantas vezes se olharam para dentro, apenas fixando a vista no vosso próprio olhar?
Poucas!
Perde muito quem não o faz. Sofre muito quem o não consegue fazer.
O espelho poderia ser usado como receita médica. Bastaria olharmo-nos com a sua ajuda no final de cada dia como método de autoavaliação. Podemos ficar satisfeitos e fortalecermos egos que nos ajudam a vencer. Ficar tristes e desiludidos com vontade de chorar, porque não conseguimos ser ou ter o que entendemos merecer, ou simplesmente cumprimentarmo-nos com um sorriso de agradecimento à vida.
O espelho serve também como metáfora de comportamentos do Homem. Nesta perspetiva, observo o quotidiano da vida. Prendo-me no comportamento de determinadas pessoas e dou-me conta que muitas delas deveriam ser obrigadas a andar com espelhos, dever que talvez lhes permitissem ver o que fazem e não apenas dar atenção ao que os fazem os outros. É compreensível que cada um de nós se ache bem e que entenda que o mal vem sempre ou maioritariamente dos outros. Somos assim, mesmo sem forçar malévolas intensões. Há quem faça o contrário, mas, ou está dotado de superior convicção ou doente e depressivo.
Temos também enraizado culturalmente o comentário sobre o alheio. O prazer é tanto que dá origem aos negócios que vivem da fama dos outros, pois a desgraça entra-nos em casa sem o pedirmos, basta ver a televisão. O que faz o outro é assim enfatizado com ajuda de quem tem meios técnicos para divulgar a informação. Se aqueles pertencerem ao mundo do espetáculo (cinema, TV, futebol, etc.) provavelmente dirão bem de ficar com inveja. Se forem pessoas que dedicam a vida a causa pública, certamente o contrário acontecerá. No meio fica a maioria da sociedade que aparece apenas como espetador. Provavelmente ficariam mais contentes e felizes se olhassem mais para si, em vez de olhar para os outros, porque a inveja não é apenas um defeito mas uma perda de tempo e surge porque damos demasiada importância à vida alheia. O espelho ajuda na correção.
Há em muitos de nós o efeito do “paradoxo do espelho”, simplesmente porque conseguimos ver imagens que não existem. O Povo sabiamente afirma: “não sabe olhar-se ao espelho.” Olharmo-nos requer algum domínio do ego.
O inconsciente uso do espelho justificará certamente a má apreciação que muitos fazem dos outros, onde os maus qualificativos e realce de fraquezas várias, são resultado da imagem refletida dos próprios. Fica agora mais claro que são opiniões sem fundamento, porque meros reflexos de quem os profere. Não devem ser levados tão a sério. Falta de orgulho próprio, direi eu. Bem! Visto assim o mundo, fico mais tolerante. O espelho tranquiliza-me. Deixo de penalizar-me pelo meu mau entendimento e passo a compreender quem antes julgava errado. Estão a falar de si, sem dar conta do efeito do espelho. Certamente também acontecerá comigo. Vou-me dar mais atenção quando falar dos outros.
Ocorrem ainda outros fenómenos quando usamos criativamente o espelho. Nem sempre vemos a nossa imagem, mas a figura que queremos ver. Conseguimos ver em nós qualidades e/ou defeitos, que não temos. Este exercício criativo é quase impossível na presença do espelho, a menos que nos queiramos enganar pela imagem. Esse engano não é mal nenhum, até pode ser o bem oportuno. Se nos vestirmos como um Rei, podemos imaginar-nos nesse papel, ainda que sem reino. Se nos vestirmos como “desgraçados” talvez pensemos melhor sobre quem representamos. Podemos inclusivamente imaginar ser a figura refletida, com aproximações ao sentir do que vemos. Certamente escolheremos os figurantes que mais poderão surpreender. Quanto mais impacto tivermos nos outros mais satisfeitos ficamos pelo gozo do engano que conseguimos. Se for divertimento, viveremos momentos agradáveis. Se for mesmo para enganar, satisfeitos ficaremos também. Mas atenção, se olharmos bem para o espelho teremos a certeza que não passa de imagens sem verdade.
Criemos as imagens que criamos, nunca deixaremos de ser quem somos.
Não levem a sério tudo o que julgam ver.
Atenção! pois podem confundir-se com a imagem que o espelho vos devolve.
Bom carnaval.

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