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“O Estado da União”, segundo von der Leyen

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“O Estado da União”, segundo von der Leyen

Ideias

2022-09-17 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

O“Estado da União” seria bom e recomendar-se-ia, não fossem algumas (bastantes?) nuvens negras que, a prazo, poderão, ou não, dissipar-se.
A Presidente da Comissão, Úrsula von der Leyen, proferiu o habitual discurso sobre “o Estado da União” na passada quarta feira, 14 de setembro, diante do Parlamento Europeu. Desde 2010, por iniciativa de Durão Barroso, este discurso institucionalizou-se e serve para que a Comissão momentaneamente em funções, enuncie os objetivos que entende dever prosseguir. Úrsula von der Leyen fez um bom discurso e, de uma forma clara, enunciou algumas linhas programáticas da ação futura da União. Tratou-se de um discurso marcado pela incerteza do presente, porém, apontando já para um horizonte de futuro europeu pós-guerra.

Na verdade, a Presidente da Comissão acabou por projetar o futuro da União, partindo do seu estado atual (marcado, como referimos, pela incerteza dos tempos que vivemos) e proclamando claramente um sentido político para o devir da integração europeia. E, na realidade, em períodos de incerteza, de mudança de pressupostos dos quadros de vida a que nos habituamos, só uma clara afirmação política programática, inequívoca, permite projetar as ações futuras. No fundo, em períodos de volatilidade e insegurança política, económica e mesmo mudança (possível) de pressupostos de vida, o que interessa, antes de mais, é conhecermos o fim que queremos alcançar, o “Norte” do nosso caminho, para que, a par e passo, possamos adotar as ações circunstancialmente necessárias…tendo em vista esse “Norte”! Sabermos para onde queremos ir, independentemente do modo como iremos. E – justiça lhe seja feita – desde que iniciou funções, van der Leyen tem revelado essa preocupação, condição necessária da construção do futuro da Europa: apontar claramente (sem relativismos) o “Norte” da integração. Recorde-se: foi ela e o programa de ação da sua Comissão que, de um modo simples e inequívoco, apontou a defesa do nosso “modo de vida europeu” como uma das prioridades da União. Os tempos de relativismo militante e pouco lúcido que vivemos, geraram, desde logo, algumas (ainda que ténues) manifestações de incómodo pelo uso de tal expressão (“modo de vida europeu”): será que seria discriminatória, xenófoba mesmo? Seria excludente de alguma minoria cultural? Na verdade, só o “modo de vida europeu” – significando-se, com tal expressão, a democracia, a tolerância, o “Estado de Direito “e a solidariedade entre povos e Estados, garante uma cultura e uma prática de proteção de minorias e uma integração efetiva dos “outros”, no nosso quotidiano de vida….

Ora, nessa linha, salientamos dois pontos fortes, político-programáticos, no discurso da Presidente da Comissão. Primeiramente, a afirmação sem tibiezas de que vivemos uma guerra na Europa que tem um significado efetivamente europeu (apesar de territorialmente circunscrita à Ucrânia): uma guerra do “autoritarismo contra a democracia”. E, sem sombra de dúvidas, uma guerra provocada pela Rússia, invadindo territorial e militarmente (e destruindo) o território da Ucrânia. Quem subverteu a ordem internacional foi a Federação russa e as tropas de Putin. Sem tibiezas e sem “mas….”. Esta é a posição da União, afirmada por von der Leyen. Claro está que o “modo de vida europeu” ou, se quisermos, do “ocidente” (segundo a expressão usada, com incómodo e até à exaustão, por Putin), admite outras opiniões, outras linhas de análise e de pensamento.
Até admite – porque a tolerância é (deverá ser) uma “marca d’água” europeia – posições políticas reticentes ou contrárias a essa afirmação (entre nós, por exemplo, o PCP); porém, a posição política assumida pelas Instituições é aquela que responsabiliza inteiramente a Rússia e Putin pela guerra. Repita-se, sem reservas.

Por outro lado, a Presidente da Comissão afirmou igualmente algo que, sendo claro e inscrito na origem e no desenvolvimento da integração europeia, por vezes é olvidado: o Mercado Interno é o instrumento fulcral da integração e da construção europeias; porém, o Mercado Interno, enquanto instrumento político (da integração) não deverá cingir-se unicamente a uma lógica economicista restrita, a uma eficiência patrimonial. Será e produzirá resultados eficientes, se conseguir holisticamente equilibrar vários interesses (políticos, geopolíticos, sociais, etc.).
Deverá compreender-se à luz da “economia social de mercado” (expressão ordoliberal) introduzida nos Tratados (nomeadamente, no Tratado sobre o funcionamento da União Europeia) com Lisboa. Por isso, a vontade anunciada por von der Leyen de, quanto antes, se estender à Ucrânia, mesmo em guerra, o regime das liberdades económicas e, de um modo geral, do Mercado Interno europeu. Poderá ser, além do mais, um importante instrumento para se conseguir uma reconstrução, no pós-guerra, que solidifique o cariz europeu da Ucrânia libertada.

O futuro da integração e o “estado da União” poderão, assim, se pensarmos nos objetivos político-programáticos claramente enunciados e assumidos no discurso de 14 de setembro da Presidente da Comissão, ser radiosos e motivantes. Mais: se pensarmos na unidade e na capacidade de mobilização e de organização para fazer face a crises e ameaças para a Europa como foram e são, sucessivamente, o Brexit, a pandemia e até agora, a guerra, esse otimismo reforça-se. Se pensarmos na preocupação par se dar voz e fazer-se uma interação com os cidadãos, como foi a Conferência sobre o Futuro da Europa (cujos trabalhos se concluíram já este ano), então, existem condições para se manter uma democracia saudável, como elemento basilar do “modo de vida europeu”.

Há as referidas nuvens negras a inquietarem-nos (a inflação, a crise energética, os efeitos da guerra e o risco de um avanço dos populismos e dos autoritarismos); no entanto, saber para onde vamos e queremos continuar a ir, já é um primeiro passo reconfortante e que nos pode justificar otimismo quanto ao futuro da Europa integrada.

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