A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2013-12-08 às 06h00
Ficou sem pai aos 9 anos. Trabalhou nas minas. Viveu 27 anos na prisão. Foi libertado com 71 anos. Eis elementos suficientes para transformar qualquer pessoa em alguém amargurado, revoltado, de rosto carregado. Nelson Mandela não foi nada disso. Todas as fotografias retratam um homem de rosto pacificado e de sorriso dócil. Ontem, num suplemento a si dedicado, o Expresso tinha um peça cujo título era: “Um homem para a eternidade”. Não encontro melhor definição para Madiba.
Por estes dias, os media vão recordando frases que ficaram como uma referência. Sublinho esta em particular: “Se você falar com um homem na linguagem que ele compreende, isso entra na sua cabeça. Se falar na sua própria linguagem, você atinge o seu coração”.
Que bom seria se os políticos não esquecessem isso. Que bom seria se os jornalistas tivessem sempre isso em mente. Numa altura em que o discurso político se enche de nada e em que a escrita jornalística se desenvolve numa estrutura circular que abrange sempre os mesmos interlocutores, esta frase precisa de ser repetida até à exaustão para que se rasguem, de uma vez por todas, as entropias discursivas que vão entorpecendo o espaço público por onde todos circulamos.
Ontem, vários jornais portugueses e estrangeiros publicavam uma fotografia que se vai tornando um ícone daquela que Mandela quis que fosse a “nação arco-íris”: um rapaz loiro abraçado a uma mulher negra já com uma certa idade e vergada pelas lágrimas. Foi isto que Mandela conseguiu neste tempo: unir uma nação profundamente dividida pela raça. Esta separação ainda persiste nos dias que correm, mas sentem-se já várias pontes entre gentes de credos e cores diferentes e são precisamente esses elos que urge preservar.
Na edição deste sábado, o Público escrevia que “o estado de graça da nova África do Sul de Mandela desapareceu antes dele”. Falava-se de corrupção, de desemprego, de dificuldades de acesso à educação e à saúde. Apontava-se também o facto de o partido ANC ter feito passar leis que limitam drasticamente o poder dos media e dotam as forças policiais e os serviços secretos de amplos poderes. Sinais preocupantes em qualquer democracia.
Atualmente, na África do Sul, há 600 mil portugueses. Segundo o Diário de Notícias, a comunidade lusa da diáspora está “confiante na paz e na prosperidade”. Não há outra forma de pensar. No entanto, a realidade é carregada com cores mais escuras. Basta, por exemplo, pensar nas cisões e nas forças radicais que vêm emergindo do interior do ANC ou do partido que acolheu aqueles que partiram zangados com o Congresso Nacional Africano, fundando o Congresso do Povo.
Não é de divisões ou de lutas pelo poder de que se falará nos próximos dias. Agora é tempo para preservar a memória de Nelson Mandela. Esta semana, viajarão para a África do Sul presidentes de vários países. Lá estará Barack Obama. Lá estará Cavaco Silva a representar Portugal. E muitos e muitos outros chefes de Estado. Trata-se de um funeral à escala global, talvez só comparado ao funeral de João Paulo II, um dos poucos líderes mundiais para quem o centro era um lugar nómada, deslocando-se sempre para onde o Papa fosse.
Seguindo com mais ou menos atenção aquilo que se vai passando na África do Sul, cada um de nós escolherá a melhor forma de homenagear Nelson Mandela. Uma delas é recordar as suas palavras: “A arma mais poderosa não é a violência, mas falar com as pessoas”. Em continente africano, talvez recordem com particular força esta: “Não se trata do que se pode fazer pela África, mas sim do que se pode fazer com ela”. Para além de algumas palavras que guardarei no coração, a minha recordação será o seu sorriso, sempre aberto num rosto que transportava um corpo marcado pelo sofrimento. Obrigada Mandela.
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