Os amigos de Mariana (1ª parte)
Ideias
2020-12-26 às 06h00
Tive a minha introdução aos estudos filosóficos por intermédio da leitura de obras maiores de Albert Camus e Jean-Paul Sartre, destacadamente O mito de Sísifo (1942), do primeiro, e O Ser o Nada (1943), do segundo, considerados, por muitos, os expoentes do Existencialismo.
Soube mais tarde que representavam contributos francófonos para um movimento intelectual desencadeado na Ale- manha com a publicação de Ser e Tempo (1927), por Martin Heidegger e A situação espiritual do nosso tempo (1931), por Karl Jaspers, que, por seu turno, tinham sido inspirados por ideias do pensador dinamarquês Søren Kierkegaard, notavelmente em O desespero humano (1849), e do compatriota Friedrich Nietzsche, em especial no ensaio aforismático Gaia Ciência (1882).
Soube igualmente mais tarde que os últimos tinham potenciado um processo de transformação interna da Filosofia contemporânea iniciado pelo filósofo germânico Edmund Husserl com as suas Investigações lógicas (1901), numa reação de saturação com a corrente idealista, em especial com o sistema teórico de Hegel, e no concomitante desejo de um regresso às coisas, ao mundo da vida, batizado de Fenomenologia, abrindo caminho para o chamado existencialismo religioso com o pensador de Copenhaga e para o existencialismo ateu ou niilista com o filósofo prussiano.
O Existencialismo foi durante décadas um influente movimento de ideias, dentro e fora da academia, nos círculos filosóficos e para além deles. Em Portugal, entre as décadas de 1950 e 1980, o escritor Vergílio Ferreira, o cónego António Leite Rainho, o padre jesuíta Diamantino Martins e os filósofos portuenses Leonardo Coimbra e Delfim Santos tiveram um papel fundamental na sua divulgação e promoção.
Subitamente, por volta do final dos anos 1980, o interesse pelo seu estudo desapareceu, tal como a sua circulação entre nós e além-fronteiras. Coincidiu com a elevação do inglês a língua franca planetária e o predomínio da apelidada filosofia analítica anglo-austro-americana.
Apesar das diferenças, os existencialistas comungam algumas convicções: que somos seres lançados no mundo, isto é, que não pudemos optar por existir ou não existir; que somos seres destinados à morte, ou seja, sem poder de decidir pela vida eterna; que somos seres desprovidos de essência e com o ónus de projetar a sua existência, de lhe inventar um sentido. Para os existencialistas, em suma, somos seres finitos, radicalmente livres e habitantes de um universo absurdo.
Tão subitamente quanto décadas antes se eclipsara, por volta de meados deste ano, após se ter tornado claro que a crise pandémica iria demorar mais que o que se previa e desejava, regressou o interesse pela releitura das obras dos chefes de fila do Existencialismo. Ele ficou bem evidenciado nas sucessivas reimpressões das obras de Camus e de Sartre para satisfazer a sua inesperada procura em livrarias.
De repente, um minúsculo vírus forçou-nos a repensar a nossa condição, a voltar a ter consciência da fragilidade da exis- tência humana, a sofrer com a solidão imposta pelos confinamentos – enca(p)sulamentos – que nos fez perceber de novo que apenas podemos autenticamente ser com os outros, a enfrentar o sentimento de inelutabilidade da morte. E sobre isso com profundidade meditaram os existencialistas.
É possível que seja um interesse apenas passageiro. Se não for o caso, se o retorno ao “business as usual” se revelar impraticável, se este mal-estar persistir e se intensificar, se tivermos de passar a viver em permanência com temor e desesperança, precisaremos, por certo, de um “Neo-existencialismo”.
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