Correio do Minho

Braga, terça-feira

- +

“O Ezequias rôba…mas é dos nossos!” (I)

1.758.035 votos de confiança

Ideias

2023-01-07 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

Catarina, no sul do Brasil, há cerca de doze anos – tinha uma conclusão: “Vota no Ezequias”.
Com efeito, tive a oportunidade de ler várias inscrições, “graffitis” de campanha autárquica, no Sul do Brasil, por volta do ano de 2010. Fixei e fotografei aquela frase de apoio ao dito candidato Ezequias. Encerra toda uma filosofia política não negligenciável e – creio – (também) muito portuguesa. Poder-se-ia igualmente ler em vários muros, em todo o território português, de norte a Sul. De Felgueiras a Oeiras (estatisticamente, o concelho mais rico e mais letrado do país). No entanto, não pretendia falar diretamente dos “casos” que, desnudando-nos uma corrupção ou, no mínimo, comportamentos ou interesses privados que se apropriam da “res publica”, ensombram a nossa vida democrática. Casos que têm, também, assolado estes cerca de onze meses de governação de maioria parlamentar absoluta que suporta o atual governo. Sim, de maioria absoluta, legitima e regularmente outorgada pelos eleitores, em janeiro de 2022. Serão estes casos (ultimamente, de conhecimento público quase diário), significativos de um estado geral da política portuguesa? Da própria sociedade portuguesa? Serão um traço decorrente de uma sensação de impunidade de quem goza politicamente daquela maioria? Ou, por outro lado, são exceções e casos pontuais (embora muitos) que apenas poderão, com propriedade, ser analisados de um modo circunscrito e limitado a um determinado universo de algumas pessoas que têm, momentaneamente, acesso ao poder?

Creio, sinceramente, que é um pouco de tudo. Uma certa sensação e prática de impunidade. Muita incompetência (desde logo, por não se anteverem as consequências político-mediáticas de atos próprios), a existência de um “nicho cultural” característico de um grupo ou fação de partido e muito, mesmo muito de encerramento evidente do governo/partido/governo, sobre si próprio... Mas, de todo o modo, estes desvios de poder, estas patologias dos comportamentos (por vezes, criminosos) de certos agentes políticos, estas formas mais ou menos dissimuladas de corrupção, não são um exclusivo português. Ainda recentemente teve honras mediáticas um caso cujo cenário foi o Parlamento Europeu, protagonizado por vários agentes, entre os quais uma vice-presidente daquela Instituição. Poderíamos refletir sobre algumas especificidades distintivas portuguesas – começando, desde logo, pela reação (a meu ver, sempre inicialmente pouco vigorosa) da própria população. Poder-se-ía debater se – como ainda estes dias foi dito por uma ministra – “o que interessa são os resultados”; não o vamos fazer, agora, neste pequeno texto.

Gostaria apenas de estabelecer uma ligação (“rectius”, sugerir uma relação) entre estes comportamentos/” casos” de mau uso do poder e um relativismo que, cada vez mais, vai marcando as sociedades europeias, as democracias liberais de países industrializados. Décadas de um modelo de ensino que aponta quase exclusivamente para uma formação técnica-especializada (senão mesmo ultra especializada, porque assim, incutem-se nos formandos mais condições para serem ultra-produtivos), acabaram por criar, geração após geração, uma insensibilidade ética e uma perda de noção de comunidade. Cada vez mais, somos “formatados” numa perspetiva de vida que tende a desvalorizar os laços, as obrigações decorrentes da nossa relação com a comunidade, convidando-nos a insuflar a nossa vontade “eucêntrica”. O primado da vontade individual – muitas vezes, dos caprichos individuais elevados quase a direitos fundamentais – desvaloriza um sentido de vivência coletiva, de pertença e de defesa de uma dada comunidade (aquela em que nos inserimos). Se o que importa é a nossa (individual) forma de ver o mundo, os nossos interesses (por mais restritos e particulares que sejam), então, realmente não existe espaço para uma cultura e uma vivência que, pelo menos, nos faça sentir obrigações para com a coletividade. A legitimidade do poder passa a fundamentar-se efetivamente nos resultados que, para uma maioria de pessoas, possam garantir a satisfação dos seus interesses individuais. Se não há limites, nem vínculos, para a vontade individual, então, não existem condições – no limite – para se falar (e vivenciar) uma verdadeira cidadania. O meu “eu” sobrepõe-se sempre ao cidadão. Logo, logicamente, o “Estado também sou eu”! E, no fundo, a degradação da vida democrática (“paredes meias” com o esfarelamento do “Estado de Direito”), provocada pela corrupção, também será uma faceta e/ou uma consequência da “eucêntrica” perda de referências de cidadania, provocada pelo modelo e objetivos de formação que temos seguido.

Deixa o teu comentário

Últimas Ideias

19 Março 2024

O fim do bi-ideologismo

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho