Entre a vergonha e o medo
Ideias
2024-03-19 às 06h00
As últimas eleições legislativas ditaram um desfecho imprevisível. A correlação de forças mudou e, com ela, gerou-se uma perplexidade analítica que ameaça tornar-se no momento original da mudança de paradigma neste longevo país à beira-mar plantado.
Só que, ao contrário do que disse o líder do Chega aquando do anúncio dos resultados eleitorais, o que pode ter terminado não é o bipartidarismo, mas antes o bi-ideologismo.
Explicando, o que até aqui era sólido para os portugueses era o figurino partidário completamente cindido entre esquerda e direita. De um lado o PSD, o CDS e, mais recentemente, o Chega e a Iniciativa Liberal; do outro, o PS, o PCP e o BE, sem esquecer o Livre e o menos definido PAN.
A partir do dia 10, a escolha entre estes blocos vai ter de ser repensada. Repensada não porque os partidos tenham mudado estruturalmente, mas porque vão ser forçados a fazê-lo. Com a exceção do Chega que é um partido sem ideia principal, ou seja, sem ideologia definida, mas, ainda assim, forjado num imaginário de anti-esquerdismo primário, os demais partidos, que queiram sobreviver ao novo paradigma, terão de refletir seriamente sobre o futuro.
Partamos da radiografia. Perante um recuo de dimensões imemoriais da esquerda em todo o país, com óbvia predominância no sul – Setúbal, Alentejo e Algarve – a fronteira geográfica que separava, porventura desde 1974, os domínios da “burguesia liberal” daqueles do “proletariado tradicional” está aparentemente abolida. A insignificância da CDU nestes locais convida a pensar no que sobra defender e no que vale a pena defender de ora em diante.
O que nos dizem os votos dos portugueses, quer o mais de um milhão de concidadão que, já sem vergonha, votaram num partido que não é de protesto, mas de repulsa, quer os restantes cinco milhões que se espalharam pelos restantes partidos é que o que conta verdadeiramente para os cidadãos é o papel reformista e concreto de melhoria da vida das pessoas que cada proposta política representa.
Já pouco ou nada importa, a não ser aos militantes dos partidos e alguma elite tradicional, se p que se propõe é de esquerda ou direita, o que ninguém aguenta é que nada do que se proponha diga algo à vida das pessoas e resulte num incremento da sua condição.
O protesto em forma de voto que extinguiu o bi-ideologismo deve ser visto, na minha modesta opinião, como uma chamada para a ação. Um sincero grito popular que quer transmitir aos políticos a ideia singela que o seu papel não é degladiarem-se para ver quem tem a melhor ideologia, os melhores princípios éticos e morais ou quem melhor decanta a pureza teórica dos fundadores de caminhos filosóficos que merecem e devem, por homenagem aos seus ideólogos, revisão e reflexão à luz da atualidade.
Se o PSD e o PS não perceberem que a crise da identidade que os grandes partidos atravessam é o crescente desligamento entre as verdades formais que apregoam, as políticas estaduais que formalmente implementam e a realidade soturna do quotidiano da generalidade dos portugueses, então correrão o risco da exitnção e não apenas da ultrapassagem pr movimentos e partidos mais ágeis e capazes de lidar, sem pruridos, com a expnencial evolução que as sociedades atravessam.
Na minha (interessada) visão, o PSD é o partido que está em melhores condições para o fazer. Não só por ter sido criado e estruturado numa ideia de portugalidade que tem no apego ao país um dos seus fundamentos, ma sobretudo porque tem um substrato de ideias que não está ideologicamente vinculado a um conceito de imobilismo formal que garanta a sua pureza.
Claro que isto é polémico e percebo que vejam nestas palavras a cedência ao pragmatismo e a capitulação do património programático que erigiu os partidos tradicionais.
Mas não se trata dessa capitulação. É justamente o oposto. Os partidos, como qualquer instituição, se lutarem contra as transformações que testemunham, se negarem para si a evolução que apregoam para a comunidade onde se inserem, colocam-se na linha de fogo ideal de partidos como o Chega.
Combater os partidos oportunistas implica adaptar os discursos, os protagonistas, mas sobretudo refletir seriamente sobre as ideias que impulsionam os partidos de charneira como o PSD, para que estejam em condições de, pela positiva, saber tratar a desesperança de quem não tem casa com a mesma preocupação e capacidade de reação com que serão forçados a gerir dossiers transformativos como o da aplicação da inteligência artificial ao mundo do trabalho. Se um partido não sabe, não quer ou não pode falar como os cidadãos num plano em que estes o percebam e que, sobretudo, entendam que a sua mensagem está vinculada ao bem-estar e progresso da população e não ao artifício das ideologias passadas, então já estará derrotado.
Significa isto rejeitar o passado e desrespeitar a luta e o percurso dos partidos tradicionais? Pelo contrário, é essa a justa homenagem aos que, como Sá Carneiro, souberam ser disruptivos e inovadores quando era mais difícil.
13 Junho 2025
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