A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2018-05-21 às 06h00
Uma massa de adeptos a vibrar por uma equipa de futebol, gentes de idades variadas, de classes diversas, de gostos desencontrados. É essa cola do mundo, que nos agrega uns aos outros, que constitui a grande magia de um desafio de futebol. Acontece que o futebol é mais do que um jogo dentro das quatro linhas. Arrasta igualmente uma poderosa economia e, nos últimos anos, criou um modo discursivo muito particular, protagonizado por dirigentes de clubes, treinadores e comentadores televisivos. O ambiente que hoje se vive no Sporting é o clímax dessa perigosa tendência que se apoderou dos meios futebolísticos.
Quem acompanha aquilo que se passa no Sporting pensará certamente que será da ordem do inverosímil os acontecimentos que vão sendo noticiados. No passado fim-de-semana, os jornais generalistas e os desportivos discutiam quem seriam os verdadeiros autores dos incidentes que ocorreram na Academia de Alcochete. O Sol contava que os planos passavam também por agressões nas próprias casas dos jogadores e do treinador. O Correio da Manhã titulava que se registou um buraco na segurança. E O Jogo garantia que houve porta aberta para os agressores. Podem os jogadores estar vulneráveis a este tipo de ataques? Como pôde isso ter sido possível? Convém lembrar que esse assalto terrorista decorreu durante o dia, com jornalistas à porta da Academia a quem alguém terá pedido para desligarem as câmaras...
No sábado, o Presidente do Sporting deu uma longa conferência de imprensa para deixar várias acusações perante os media noticiosos. Confessou-se vítima de uma cabala, queixou-se do abandono dos adeptos, apontou o dedo a alguns sportinguistas pela oposição interna que vê em curso, criticou os jogadores... Disse que não ia comparecer no Jamor, mas que continuaria à frente do Sporting. Ontem, o Diário de Notícias escrevia que existe uma pressão muito elevada sobre os elementos que resistem para que pelo menos um se demita e provoque a perda de quórum do Conselho Diretivo do clube. E assim haveria eleições para uma nova direção clube. Porque todos já perceberam que Bruno de Carvalho nunca sairá pelo próprio pá.
Mais do que criticar o atual presidente do Sporting, talvez fosse útil pensar no caminho feito para chegar até aqui. Nessa reflexão, teremos sempre de passar pelas opções das empresas de TV quanto à mediatização deste desporto. Penso que ninguém poderá negar o interesse público que o futebol reúne, mas já será muito questionável as horas de antena aberta que se promovem antes de um desafio ou as transmissões em direto que se fazem de algumas conferências de imprensa de treinadores ou dirigentes desportivos. Igualmente criticável serão alguns formatos televisivos de comentário sobre o futebol que se enchem de comentadores que preenchem a emissão a vociferar obscenidades e a ostentar gestos violentos em relação aos representantes de outros clubes. Como já escrevi noutros textos, talvez seja demasiado otimista esperar uma autorregulação dos media em relação a este desporto, mas será expectável que instâncias reguladoras do desporto e dos media ajam com determinação face a tantos abusos. Precisamos de repensar tudo. Rapidamente e em força.
Hoje, em Portugal, o futebol parece ser um mundo à parte. Nenhum político, empresário ou responsável por uma instituição poderiam dizer em público aquilo que certos dirigentes de futebol afirmam, sem que nada lhes aconteça. É claro que poderemos sempre citar o dramaturgo irlandês Bernard Shaw e seguir a máxima de nunca lutar com o porco, porque ficaremos sujos e, pior ainda, ele parece gostar dessa luta. É certamente um modo inteligente de lidar com homens e mulheres sem qualidades. Acontece que essa distância em relação aos piores que emergem sempre em todos os campos não é salvífica nem para nós, nem para o coletivo. Porque há determinadas espécimes que ocupam posições de tal forma relevantes que vão contaminando certas formas de operar. E isso é demasiado perigoso para todos.
À hora em que escrevo esta crónica, a final da Taça de Portugal aproxima-se do fim. A tarde do Jamor não terá sido tão festiva como a dos anos anteriores, porque há sempre uma sombra que não deixou de pairar sobre todos. Ontem, todos percebemos que uma maçã podre pode fazer muita mossa. Isso significa que cada um de nós tem, à sua escala, a responsabilidade de procurar afastá-la do caminho por onde seguimos.
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